Sunday, April 08, 2007

"Qual a parte da sua estrada no meu caminho?"

O filme 300, de Zack Snyder, recria a batalha das Termópilas, ocorrida em 480 a. C., na qual o rei Leônidas e 300 espartanos enfrentaram e venceram por 4 dias o exército persa de mais de cem mil soldados. No quinto e último dia da guerra, porém, são traídos por um espartano disforme que, por sua forma física, não é aceito em Esparta. Esse traidor alia-se ao exército persa, comandado pelo rei Xerxes, o qual – ainda que falsamente – elogia e dá valor, riqueza e mulheres àqueles que o reverenciam, a ele se curvam e se aliam. Assim, a negligência do rei para com aquele que deseja ser seu súdito mas não cumpre os requisitos necessários para pertencer à sociedade espartana culmina, enfim, no fracasso da batalha.

Quanto de egoísmo, ânsia individual pelo poder, desejo de se manter lembrado na história e vaidade humana estão presentes numa guerra? No caso da batalha das Termópilas, o álibi para o enfrentamento começar é a ordem que traz o mensageiro persa aos espartanos: água e terra. Que Esparta ceda território e água ao povo persa.

Conhecida por seu caráter bélico aliado a um forte sentimento patriótico, Esparta tinha como um de seus principais objetivos fazer de seus cidadãos bons soldados: bem treinados fisicamente, corajosos e obedientes às leis e às autoridades estatais. O mensageiro, no filme 300, é morto por desafiar e insultar o rei Leônidas. Tivesse ele um pouco mais de tato e menos “desrespeito para com as autoridades e o povo de Esparta”, evitar-se-ia a guerra? Tivesse o povo persa pedido – e não exigido – água e terra, Esparta teria, amistosa e generosamente, atendido à necessidade de seus vizinhos?

Não se pode pautar a História pelo que poderia ter sido, mas qual é a responsabilidade do orgulho e da vaidade humana e das relações pessoais nas relações políticas e em seus desdobramentos? Há grandes tragédias cujo início foi um rompimento diplomático – a própria segunda guerra mundial, por exemplo. Afinal, os governantes são também seres humanos e têm suas paixões, interesses e sentimentos aflorados, questionados e contrariados constantemente.

Além do questionamento sobre a predominância da vaidade e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos, o filme de Zack Snyder nos faz pensar nos anacronismos existentes ao se adaptar ao cinema – ou à literatura, ou mesmo ao analisar academicamente – épocas históricas tão distantes da atual. Um exemplo disso é a dor expressa pela mãe de uma criança quando, aos sete anos, esta deixa os cuidados da mãe para viver sob a orientação do Estado, que tinha professores especializados para educar seus cidadãos desde pequenos (Hoje, inclusive, eu diria que o ditado “É de pequeno que se torce o pepino” é bem aplicado e diz muito sobre a educação espartana). Os jovens levavam vidas muito austeras, vivendo em pequenos grupos, realizando exercícios de treino com armas e aprendendo as táticas bélicas de formação.

A dor maternal, entretanto, é fruto da interpretação de nossa sociedade atual do fato. Porque em Esparta, essa separação aos sete anos de idade era costume. Os costumes são raramente questionados e, por seu caráter universal e existente na consciência coletiva da população, são facilmente aceitados e naturalizados. Assim, não há porque a mãe do menino sofrer por não mais conviver com seu filho: seus laços não são estabelecidos da mesma maneira como o são os nossos, atualmente. O amor – no caso, o maternal – e a afeição, como construções sociais e culturais, são diferentes entre sociedades e entre épocas.

Problematizações históricas à parte, não se deve esquecer que o filme é belíssima adaptação cinematográfica da história em quadrinhos de Henry Miller, a qual retratou o caráter mítico adquirido pela batalha dos 300 homens de Esparta. Seja por vaidade, orgulho, segurança ou patriotismo; seja por motivos coletivos ou individuais, os 300 cidadãos/homens/soldados espartanos “saíram da vida para entrar na História”.
(E Rodrigo Santoro não deixa a desejar.)