Monday, July 28, 2008

Simplicidade harmoniosa (ou harmônica, faz sentir)

As letras de bossa nova são, em sua maioria e num primeiro momento, singelas. Algumas transbordam lugares-comuns, outras apontam para abordagens ingênuas de temas tão presentes nas canções, como o amor. O sorriso e a flor, por excelência, dominam o que se convencionou chamar de 'primeira fase' do movimento bossa nova: jovens de classe média que compunham bonitezas à beira-mar.

Tanta simplicidade, um quase-bucolismo, um neoarcadismo? Mas a bossa nova, aos poucos, deixa de ser só um 'ritmo' - as aspas são para amenizar o sentido do termo; 'ritmo' é o que menos poderia caracterizar a bossa nova. Mais correto seria, talvez, falar de estilo. Porque a bossa nova torna-se adjetivo e estilo de vida: há televisores, lava-louças, automóveis bossa nova. Tom Jobim (ou Vinicius de Moraes; posso estar confundindo), num dos vídeos que assisti na exposição '50 anos de bossa', diz que ouve num anúncio, na rádio, que há um 'pente bossa nova', e arremata, em inglês (o programa não era gravado no Brasil): "Isso não faz bem para a música..."
Por trás da simplicidade da bossa está o que é, então, um dos motivos - talvez o principal - do sucesso nacional do termoestilo bossa nova e que leva os Estados Unidos e a Europa à loucura: a harmonia das canções.

O que dá à bossa nova caráter extraordinário é a harmonia. A execução sutilmente sensível e livre da obra musical, que não deixa, porém, de ceder a improvisos, a vertigens, e culmina na subversão da métrica rítmica, na voz fluida e nos desembaraços extrapola as noções musicais de até então e proporciona o frisson e a novidade que a bossa nova engendra, representa e propõe. Subversão essa, convém lembrar, possível fundamentalmente por conta do profundo conhecimento de teoria musical e de composição por parte de alguns dos compositores-ícones do movimento.

E é justamente essa criação única - a partir de influências de música clássica, samba e jazz - na forma de tocar que desmente a aparente simplicidade da bossa nova. É lamentável que as músicas de protesto tenham sido, nos anos 60 e 70, consideradas antagônicas à bossa nova: a mudança é desejo e operação de ambas. Talvez as limitações (perdoem-me o possível escracho) tanto da bossa nova quanto da tropicália, por exemplo, encontrem seus limites na mal-sucedida fusão entre forma e conteúdo.

O fato de a excepcionalidade da bossa estar profudamente enraizada na harmonia (na forma de executar a música) demonstra a unicidade de cada apresentação e execução. Ainda que o próprio Tom Jobim toque e cante Garota de Ipanema milhares de vezes, cada toque e cada canto será único, por sutilezas nos movimentos do próprio intérprete e reinvenções constantes: experimentações no ato, inevitavelmente bem-sucedidas.

Finalmente, nem só de amor vive a bossa nova: ela é também a rosa de hiroshima e a marcha da quarta-feira de cinzas. Carcará, opinião. E - por que não? - o amor, o sorriso e a flor. A sentimentalidade e a política caminham juntas - coerentemente com um movimento tão potencial e verdadeiramente subversivo (ainda que a subversão não se dê em termos ortodoxos - o paradoxo aqui é proposital). Sem subordinações de tempos e períodos: cada um com sua grandeza, grandiosidade e profunda sensibilidade.

P.S.: Texto em suspensão e em processo de reavaliação, depois dos comentários do Lucas!

Wednesday, July 23, 2008

De memória e constituição

O passado, amassado e forçosamente esquecido ou desapercebido, desdobro e transborda.
Quanto da gente é construído e constituído a partir das negações, das não-escolhas, da passividade?
Fico pensando o que podia ser o presente se coexistissem, em outras dimensões, diferentes passados e futuros
(no mundo como um todo e no meu pequeno tempoespaço de vida). Quando digo 'diferentes', quero dizer diferentes do que se conhece, percebe e interpreta hoje.
Aliás, o que é a vida senão leituras e releituras de momentos sob ópticas próprias e singulares?
E quando essas ópticas sofrem (ou causam) refração? É o caos, são desejos proibidos, incongruentes, incoerentes? Vontades contraditórias ou complementares (ou suplementares, para não pressupor a plenitude)?
Talvez seja confusão, indecisão, ou excesso de sentimentalidade. Desejo, consideração. Saudade. Vontade de palavras, olhares e toques daqueles hoje tão distantes.
Fica aqui o suspiro.

(Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim)

Tuesday, July 08, 2008

Vinte anos

Nos últimos dias, penso nos meus recém-chegados vinte anos de vida e busco sínteses e entendimentos de processos. Busco palavras e conceitos que possam expressar o que é uma vida no contínuo desta existência.
Vinte anos é pouco e é muito. É pouco porque nada sei da vida, é muito porque tanto sinto apreender.

E me vêm as descobertas, as permanências e as transições, em processos e explosões. Implosões rendidas e assumidas. O contato com as temporalidades, tanto aprendizado!
O amor mais puro e genuíno, desde sempre, no porto seguro que é meu lar. A preocupação entendida, de todos os lados. A felicidade compartilhada, multiplicada nas conquistas. O apoio desejado, implícito e por vezes explicitado: segurança. O cuidado fraterno (de irmão, mesmo) e a cumplicidade.
O caminhar para a conquista de autonomia e auto-sustentação (e afirmação), desde o deixar de andar de mãos dadas com os pais em lugares públicos, até a escolha do que cursar na faculdade: aprender a decidir por mim mesma os meus desejos.
No processo de adquirir segurança de si, voltar a andar de mãos dadas com os pais em lugares públicos. Andar lado a lado com os pais, em lugares públicos e nos rumos particularmente escolhidos dentre possibilidades limitadas.
A experimentação de relações, o descobrimento das diferenças e o maravilhamento com a diversidade: a amizade; a descoberta do amor também tão genuíno, sem laços de sangue ou de família.
A percepção do desejo, a coragem da sinceridade.
A oscilação entre o cuidado de si e o zelar pelos outros.
Performances, ressignificações constantes: é a dinâmica processual tão bonita e tão cheia de si, de cor, de oscilação e equilíbrio.
É corda-bamba com sombrinha: braços abertos.
Felicidade, tristeza, angústia, sofrimento, impotência, descrença; as dores, é claro.
Contorno dos caminhos, salto de pedras: beira do mar. (Pular ondas, sorrir, confiar, acreditar.)
A busca incessante de preenchimento. O entendimento do preenchimento por si. O alívio no não-preenchimento, na plenitude impossível e na percepção de vontades, sempre originais, em transformação. O cuidado de si, agora leve. O zelar pelos outros, sem peso.
A história, as histórias. O horizontalizar relações, a solidão: vislumbrar novos horizontes.
A leveza e o peso do amor. Enfrentamentos, encantamentos e digressões. Paixão, terra, mar.

O amor como arremate, su(b)stância e fundamento: é esse o elemento espiralante do balanceio de vinte anos.
(Com um pouco de café, doces, lágrimas e abraços.)
Minha vida é matéria de sonhos - e os sonhos direcionam meu olhar crítico à realidade.
(A crítica da transformação com manutenção; a síntese como processo e como transitoriedade.
Num tempo que é meu. Concomitante a intersecções e encontros os mais bonitos. Em tempos.)