Wednesday, January 14, 2009

Banho-maria

Guerra.
Fiquei um tempão pensando em como escrever um post sobre guerra.
Não consegui; meu cotidiano é ir ao supermercado, pensar e discutir sobre guerra, e tomar chá, com alguns vislumbres de carinho familiar.

Thursday, January 08, 2009

(Fragmento)

Porque há a inação, mas há também a ação. Há o fazer bonito, a história enlameia os dedos e a gente brinca de grudar a desgrudar. Lembro-me de um ocaso no sítio. Tinha os olhos vermelhos de tanto chorar a vida sofrida do menino do livro que peguei, escondida, da estante da vó. Devia eu ter meus dez anos. Subi a escadaria da casa, que era tão grande no meu sentimento, subi a escadaria e entrei no último cômodo. Era o quarto de tia Bá, lembro da coleção de bonecas que me metiam medo. Do cheio dos jornais empilhados, alguns recortes colados no armário, hoje entenderia o vigor daquilo tudo. Não era bagunça nem enfeite, era sentido de vida, expressão de luta e crença. Ardia. Ardiam meus olhos quando lia da vida do menino, das peraltices, da infância espancada e das vozes caladas, e não sabia o quanto disso ainda subsistia ao meu redor, naquelas colagens no armário. Mas gostava de ficar no quarto, era o meu favorito, e apesar dos olhos e sorrisos estáticos das bonecas, eu permanecia, e até cerrava os olhos. Depois desci, comi bolo com refrigerante na copa, e eu queria tanto abraçar e beijar a minha vó, e dizer a ela o quanto eu a amava, que os dias de sofrimento eu queria tirar dela, todos os dias de sofrimento eu queria expurgá-los do corpo e da memória da vó, a vó que era tão boa e me dava sempre meio comprimido de vitamina C quando eu queria, não precisava ficar doente, não, porque era bom prevenir. A vó também cuidou dos meus canarinhos, e eu não disse isso pra ela, mas nem fiquei muito triste quando um deles morreu, porque eu sabia que ela tinha cuidado deles. Acho que ela ficou mais triste do que eu, mas então eu senti mais minha tristeza, porque quando a gente sente tristeza junto até que é bom, até. E o fingimento vira verdade, porque a vontade de sentir junto é tão profunda que faz do inventado, real.

E qual não é real inventado? Como hoje, quando acordei num susto, com um sussurro ‘se cobre’, e meu coração acelerou e eu gritei de susto, mas me cobri e descobri que o susto fora acalanto. Acalanto era a forma dos cabelos e da silhueta toda que me alertou para o possível frio.

É a naturalidade de alguns encontros anulam potenciais enfrentamentos. O consciente ou historicizar catalisa potenciais tensões. Historiar é misturar criatividade e experiência, e potencializar enfrentamentos e deslumbres, num fluxo que é todo-narrativa. Assim, o passado chôro pela infância sofrida do menino se entrelaça com o sussurro de acalanto, e na não-sobreposição existem os interstícios, que se unem na minha memória e na história contada para meus netos no porvir.

Saturday, January 03, 2009

Desejo

Uma prima muito querida me enviou este texto no ano-novo. Assim como muitos de vocês, eu já conhecia. E resolvi postar os pedaços que achei mais bonitos aqui. Pra lembrar, pra marcar, ou selar qualquer (re)início que se deseje.
Que 2009 seja lindo! :)

Desejo primeiro que você ame.
(...)
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
(...)
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
(...)
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
(...)
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
(...)
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
(...)

P.S.: Primeiro post de 2009, e é o post número 101 do blog. Que legal!