Tuesday, October 26, 2010

réquiem

que me escrevas cartas de amor com toda a freqüência possível
mas não a freqüência exata que as exima de me surpreender.

que me consoles e carregues e acolhas
sob chuva ou arco-íris
que me pintes
(ar de rua, suor, um carinho no enlace dos dedos
e penumbra, dança, e insustentável força e meneios)
em cores sem nome

e me beijes, que me beijes como a única mulher a ti jamais entregue
conhecida em alma

e teu corpo me sonha.

e que, acima de tudo, meu amor,
saibas quando calar.

Monday, October 18, 2010

memórias, as futuras I

a cidade do meu jovem coração foi erguida em torno de duas ruas principais (ruas, e não avenidas, que é tudo muito delicado). não foi nada planejada, mas tampouco beira o caos; é uma ocupação sentimental, sem desespero, com alguma calma e permissão para um ou outro pouso provisório até achar a esquina ideal para se aconchegar. foi então quase natural fazer morada ali, entre a rua dos suspiros e a alameda da memória. com vista pro mar, nenhum luxo. tem esgoto a céu aberto logo ali em frente, e uns ninhos de passarinho que não dão sossego. mas o mar tem sereias que cantam na lua cheia, os vizinhos cozinham em uníssono aos domingos, as árvores estão ora floridas ora com seus galhos todos à mostra, corajosas que são. eu não durmo sozinha e a família está por perto.

Sunday, October 17, 2010

solidão, palavra

é madrugada quente e abafada aqui na cidade. não tenho uma janela alta pra me perder na luz dos faróis, enebriada com seu cheiro. o calor nãoé tanto a ponto de pedir um banho frio, não, mas é isso que me proponho. banho frio, água na cabeça, passadas as horas difíceis do cair da tarde. banho frio que é pro calor escorrer pescoço abaixo e empoçar nos pés, que é pra ver se você também sai um pouquinho só um pouquinho de mim, e toma forma de alguma outra coisa que não a dessa solidão ingrata. e aí nem adianta, porque é um tal de lembranças e pessoas e memórias e saudades que me compõem... por quê é que as saudades, quando vêm, embolam tudo e se manifestam no quente da lágrima que a gente nem sabe o dono?

Thursday, October 07, 2010

memórias IV

não conheci minha mãe. e aí cresci e encasquetei que era filho de sereia. embora minha respiração não fosse de bolhas de sabão (como devia ser a respiração dos filhos de sereia), e meu andar não fosse bailarinesco como devia ser o andar dos filhos de sereia, minhas sardas e meus os olhos cor de mar, que a vó me explicou que morava um mar dentro de mim, me davam alento: era claro que eu era filho de sereia, dessas que cantam bonito, namoram os pescadores e eles inventam histórias (eu nunca precisei pegar um peixe grande pra impressionar). um dia, ainda nem era tão crescido, mas andava sozinho sem desequilibrar, encarei o mar pela primeira vez. quando a onda veio mansa tocar meus pés e me convidar, entrei, avisando: voltaria quando escurecesse, que meu coração não era daquele mundo não.

Monday, October 04, 2010

uma imagem de descanso em companhia

para ler ouvindo 'chinese', de lily allen, ou 'vitoriosa', de ivan lins

espero,
esse vazio-todo-angústia que ressurge,
espero fazer dele castelo de cartas
prestes a ser brindado, leve assim,
com o sopro de criança que se mescla com riso
de saber-se senhora encantada
entre a cria e o novo vazio
já preparado, em magia e vontade
de ousar outros equilíbrios que sustentem, por fim,
uma folhinha verde, colhida ali onde começa a grama, no fim da praia, perto da rede
[onde te ouço ressonar, trono da formiga premiada, que com toda
[a delicadeza de mãos tão precisas, do topo do mundo cuidará,
coroando de novo nosso castelo.