Saturday, February 23, 2008

Merda, Caetano Veloso

Nem a loucura do amor,
da maconha, do pó,
do tabaco e do álcool
vale a loucura do ator
quando abre-se em flor
sob as luzes no palco.

Bastidores, camarins
coxias e cortinas
são outras tantas pupilas,
pálpebras e retinas.

Nem uma doce oração,
nem sermão, nem comício
à direita ou à esquerda
fala mais ao coração
do que a voz de um colega
que sussurra "merda!"

Noite de estréia, tensão,
medo, deslumbramento,
feitiço e magia:
tudo é uma grande explosão
mas parece que não
quando é o segundo dia...

Já se disse, não foi uma vez,
nem três, nem quatro:
Não há gente como a gente,
gente de teatro!
Gente que sabe fazer
a beleza vencer
prá além de toda perda.
Gente que pôde inverter
para sempre o sentido
da palavra "merda"!

Merda! Merda prá você!
Desejo merda!
Merda prá você também
Diga 'merda' e tudo bem!
Merda toda noite
e sempre! a merda!
Amém!

Wednesday, February 13, 2008

Carnavália

A luz apaga porque já raiou o dia
E a fantasia vai voltar pro barracão
Outra ilusão, desaparece quarta-feira
Queira ou não queira terminou o carnaval.
Mas não faz mal, não é o fim da batucada
E a madrugada vem trazer meu novo amor
Bate o tambor, chora a cuíca e o pandeiro
Come o couro no terreiro porque o choro começou.

A gente ri
A gente chora
E joga fora o que passou
A gente ri
A gente chora
E comemora o novo amor.

Brancos, negros e mulatos. Pobres, ricos, classe média. É clichê dizer que o Carnaval é a festa nacional, que une todo mundo. Mas é assim, e então parece que a vida é um pouco clichê, também. Constatei isso aqui em Recife.

Diferentemente dos times de futebol (o Sport de maior torcida, de classe média; o elitista Náutico e o popular - indo na raiz do termo - Santa Cruz), fanatismo de recifenses como, talvez (novamente clichê constatado) da maioria dos brasileiros, os blocos que desfilam e fazem a festa e a história no Recife não são segmentados por estrato ou classe social.

Na festa de abertura, o prefeito é "vaiado só pelos ricos. Eu aplaudo mesmo", me grita no ouvido a Marina, moradora de periferia e amiga de minha grande amiga Aline (em cuja casa de família estou me hospedando e sendo super bem acolhida). Quando pergunto se a prefeitura é boa, ela é assertiva: "Os dois mandatos de João Paulo fizeram foi melhorar muito Recife". E de qual partido ele é? Do PT.

Depois de palanque, o palco acolhe todos os santos e muito batuque, e me vejo no meio de uma ciranda colorida que "só faz aumentar" e preenuncia a alegria, os sorrisos, a expansão e o frevo da cabeça ao pé que percorrem e marcam todo o Carnaval daqui. Elza Soares e Marisa Monte também abençoam os foliões, com direito inclusive a homenagear Chico Science.

O maracatu, ao lado do frevo, é um dos ritmos dominantes. Tambores, cores, chapéus preenchem Olinda, e quando olho para cima, os bonecos gigantes assumem contornos nítidos no céu azul, azul. Lembro-me das histórias, das tradições, e me sinto preenchida e acolhida, fazendo parte de tudo aquilo e tudo isso. No lugar certo, na hora certa - e na embriaguez do frevo. Abençoado por todos os santos, todos os olhos e todas as cores.