Tuesday, July 17, 2007

Catando a poesia que entornas no chão

Se, para além de manter-nos, os sonhos nos desenham possibilidades a serem vasculhadas, e, bolhas de sabão que são, a nos rodopiar nos confundem, o que resta é entrar na roda de dança. Cirandear, como crianças. Perguntar, com a esperança de ser ouvido e a crença na resposta, a construir verdades imaginadas, roubadas e desvendadas. Vendavais desconseguem assustar àqueles que têm suas certezas amparadas em bases frágeis não-fixadas; pode-se começar por qualquer canto onde haja uma restinha de sol. De sol. Bom dia.

Saturday, July 14, 2007

Da liberdade

Vivemos numa sociedade onde, apesar de marcados traços nacionalistas e forte propaganda nacional de enaltecer a auto-imagem do brasileiro, somos migrantes. Desde o simples trajeto diário casa-trabalho-casa até as excepcionais viagens de férias em família, ou viagens ao exterior para negócios; nos deslocamos para cumprir nossos papéis na sociedade – os quais se transformam de acordo com os locais de destino. Assim, o pai de família é o empresário bem-sucedido, o patrão autoritário e o sobrinho inconveniente. O trabalhador pobre é pai de família, empregado explorado e ajudante de pedreiro nas horas vagas. A filha mais velha é a neta favorita, a melhor aluna na escola e uma turista aspirante à jornalista nas praias do Nordeste, em janeiro.

Ironicamente, a geração dos anos 90 é tida como a “geração dos filhos de pais liberais” (liberais no sentido de não-autoritários, flexíveis e compreensivos), mas é a todo momento condicionada – por normas na maioria das vezes não-ditas, mas que pairam na sociedade. O espaço geográfico comporta peculiaridades, as quais nos impelem a cumprir os papéis exigidos por determinados ambientes e situações. Mas e quando estamos no ato de migrar? Os jovens, por exemplo, de classe média, alta e baixa, passam muito tempo no caminho de casa para a escola ou para o trabalho. Seja no ônibus, no carro ou à pé. Será que nesses momentos, são destituídos de qualquer papel social?

Alguns antropólogos caracterizam os meios de transporte e os caminhos por não-lugares. Mas e se passamos boa parte de nossos dias nesses não-lugares, passamos o dia sendo “ninguém”? Penso que não; afinal, se o espaço geográfico é importante, ele não é característica sine qua non para se formar uma identidade. Os diferentes papéis sociais que um indivíduo cumpre se entrelaçam e se co-determinam.
Além disso, se o não-lugar nos torna caminho diário e é incorporado à nossa rotina, passa a fazer parte de nossa vida e nos influencia e vice-versa. Quanto de nós pertence a um lugar, é reflexo do lugar, e vice-versa?

Entretanto, quando estamos na situação não-rotineira de migrantes, somos destituídos de laços consistentes; não estamos mais ligados ao lugar de onde saímos nem, ainda, ao destino. Experimentamos, assim, uma sensação de liberdade para criar quaisquer personas e assumir quaisquer papéis que se deseja. E nos atinge a problemática: “livre para fazer o quê?”.

Inseridos numa lógica segundo a qual tudo se transforma a tende à mercantilização e tem sua importância de acordo com sua finalidade – ainda que esta seja falseada para o hedonismo –, reproduzimos a lógica da busca pela necessidade de consumo da liberdade. Procuramos dar sentido; a liberdade não pode simplesmente ser condição para o homem ser homem, para o homem realizar plenamente suas faculdades, emancipar-se e ter consciência de si. Não. A liberdade é mais um bem consumido, e desprezado se não é nele encontrado sentido palpável, material e imediato. Não se pergunta mais o porquê da liberdade; mas para quê a liberdade. E essa inversão deve ser revertida, para a liberdade, enfim, poder constar em nosso ser.