Sunday, June 28, 2009

dois poemas

Exausto
Eu quero uma licença de dormir,

perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

Adélia Prado

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Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Wednesday, June 24, 2009

não esquecer

há a técnica, o pensamento, e as cachoeiras.

Tuesday, June 23, 2009

Mãos nos bolsos (Fragmentos I)

Não sabia, ou devia saber, do momento exato em que iria passar; levantei os olhos, a frase suspensa, encontrei os dele, mas ele não. Varou o pátio na altivez inconfundível, a magreza acentuada pela saúde débil e os recentes traumas, associados a vícios típicos, como o café e o cigarro sem filtro. Terminei a frase e perdi a linha do raciocínio, assumi: teria de reler todo o capítulo imersa em alguma concentração cujas possibilidades reais de existência tendiam a zero nesse momento.

Os espaços de convivência da Universidade andavam vazios no meio da tarde. Encheram de tardezinha, naquele dia, hora do teatro das dramáticas decisões políticas. Alguém podia ter levado um chimarrão ou café em garrafa térmica, para fazer jus à tipificação em curso por aqui, e, de quebra, combater o frio. A assembléia daquela tarde discutiria o estado da arte da mobilização estadual, e a greve, sim, companheiros, estamos em greve. O cenário é o já conhecido: alguns levantando as vozes no desespero de se fazer ouvir, entoando os pressupostos compartilhados e enterrando os dissonantes. Pois que há que se discutir, mas não agora. Os pressupostos, discute-se em mesa de bar, conversa miúda, mão por sobre o ombro, aperto firme na jaqueta, cigarro cedido, e o isqueiro.

Dá até pra discutir pressuposto no café-da-manhã, Betânia ao fundo, os corpos enebriados, ainda, da noite-vigília. Encanto erótico e amor é prato cheio pra discussão política: o mundo é encantado, então. E uma bebida quente pela manhã.

Saturday, June 20, 2009

Sêneca

Devemos misturar e alternar a solidão e a comunicação. Aquela nos incutirá o desejo do convívio social, esta, o desejo de nós mesmos; e uma será o remédio da outra: a solidão curará nossa aversão à multidão, a multidão, nosso tédio à solidão.

Sêneca, Sobre a tranqüilidade da alma.

Sunday, June 14, 2009

Notas sobre os processos de greve e mobilização

Stella Zagatto Paterniani junho/2009

Autonomia universitária. Essa foi uma das expressões mais utilizadas em 2007, entre estudantes, funcionários e professores das universidades estaduais paulistas. Em primeiro de janeiro daquele ano, o governador José Serra lançou uma série de decretos que restringiam a autonomia administrativa e gerencial da Universidade sobre seus recursos financeiros; desrespeitavam o ensino, a pesquisa e a extensão como o tripé da Universidade pública; e convergiam com o projeto político para o ensino que já há muito está sendo colocado em curso pelos governadores que se sucedem no mandato do Estado de São Paulo.

Esse projeto político visa, como a agenda política mais ampla do governo federal, diminuir os gastos públicos com os direitos garantidos por lei na Constituição federal de 1988. Na prática, transforma-se a educação em serviço vendável, assim como se ignora a autonomia científica e de pesquisa: quem passa a trazer mais verbas para a Universidade são as empresas, com seu capital privado e seu interesse de mercado. E são elas, portanto, que passam a ditar quais são as prioridades nas pesquisas. Se, por um lado, a Universidade pública deveria servir à sociedade e reverter benefícios sociais, por outro, é justamente por não estar descolada da realidade social que os produtos da Universidade voltam-se para uma pequena parcela da sociedade. A pequena parcela que tem acesso à Universidade, que financia suas pesquisas e que se insere no jogo do mercado.

Foi para marcar sua desaprovação à essa política posta em curso, pelos governos e reitorias, para questionar que tipo de Universidade queremos, para defender a autonomia universitária e o amplo acesso à Universidade por parte da população, e por outros motivos que se desdobram desses, que os estudantes da USP ocuparam a reitoria, os da Unicamp, a Diretoria Acadêmica, e os da Unesp, reitorias e salas de aula, no ano de 2007. E a mídia noticiou, e as pessoas comentaram, e discutiu-se política para a educação em salas de aula, em salas de jantar, em bares.

A desocupação dos prédios públicos aconteceu quando os estudantes se viram enfraquecidos pela mídia, que insistia em caracterizá-los como vândalos e criminosos. A estratégia do governo estadual foi expelir um Decreto Declaratório, assegurando, nos termos da lei, a autonomia das Universidades. Não satisfeitos, mas acuados, estudantes deixaram os prédios públicos, sob ação da polícia. Na presença da tropa de choque, alguns estudantes da Unesp foram presos.

O movimento reivindicatório universitário ergueu-se com os decretos de primeiro de janeiro, fortaleceu-se ao longo do semestre e enfraqueceu com o Decreto Declaratório. Não há como negar o peso da dimensão legal no processo, nem perceber, então, o poder da lei em escamotear projetos políticos: a autonomia universitária não começou a ser ameaçada com aqueles decretos. Desde o momento em que capital privado passa a financiar pesquisas universitárias, a autonomia de pesquisa fica comprometida. Se, por um lado, as leis não bastam como garantia de direitos – pois estão na Constituição, mas não são garantidos na prática, direitos básicos, como educação e moradia –, por outro, o fato de estarem na Constituição torna-se argumento poderosíssimo, mobilizado pelos movimentos sociais para adquirirem legitimidade e, com isso, apoio da população que muito se ampara nos ‘termos da lei’.

Proponho, então, uma retrospectiva para arrematar o argumento: a contestação do movimento universitário (principalmente, estudantil) à política para a educação e o desejo de defesa da autonomia universitária teve como estopim uma medida legal que selava e expressava uma política em andamento. Essa política em andamento, porém, não condiz com o que sela e expressa, legalmente, o resultado de um amplo processo político: a Constituição Federal. Vê-se que o problema, então, precede. Pois a Constituição Federal garante a educação como direito social.

Pois bem, feita essa breve retomada de uma dimensão do complexo processo de mobilização e greve estudantil de 2007, passemos aos dias de hoje.
No último dia nove, a USP virou palco de confronto escancarado, com direito a balas de borracha e bombas de efeito moral atiradas aos estudantes, pela Polícia Militar. Estudantes, funcionários e professores da Universidade dirigiam-se ao portão principal do campus do Butantã, em São Paulo, numa manifestação conjunta cujas principais reivindicações eram a retirada da Polícia Militar do campus e o fim do mandato da reitora Suely Villela. Alguns dias antes da manifestação, com funcionários e estudantes da Universidade já em greve, a USP amanhecera com cerca de cem viaturas da PM instaladas em diversos institutos e faculdades.

À diferença da época da ditadura, hoje, a polícia militar não tem permissão para entrar na universidade, a não ser quando tem sua presença requisitada. E a reitoria da USP requisitou. Se hoje a polícia não é permitida no campus, é porque já servira a fins de coerção, constrangendo estudantes, funcionários e professores que ousassem discutir o regime ou a repressão da época ditatorial. Em 19 de fevereiro deste ano, a Polícia Federal apreendeu os equipamentos da rádio livre que funciona na caixa d’água da Unicamp, a Rádio Muda. O argumento para legitimidade de tal apreensão? Um mandado judicial de 2007, que insiste em acusar a rádio de ilegal. Também neste ano foi apreendido pela polícia, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, um computador no qual funcionava um servidor livre que mantinha pesquisas em andamento. Sabemos a função coercitiva da polícia, como braço do Estado, que detém o monopólio da violência legítima. A PM é, então, o sujeito que detém o monopólio da violência legítima. Entretanto, quem define o que é violência legítima?

Não é legítimo (e aqui recorro novamente à Constituição Federal) que estudantes se formem no Ensino Médio sem perspectivas de continuar seus estudos superiores. Não é legítimo que o capital privado possa ditar rumos de pesquisas científicas nas Universidades. Não é legítimo que estudantes sejam agredidos, em espaço público, por ousarem discordar da privatização posta em curso nas Universidade Públicas, e se parece legítimo que o governo estadual opte por expandir vagas no ensino superior através do projeto do Ensino à Distância, não é legítima a ausência de possibilidade de escolha entre o ensino virtual e o presencial a que estão condenados os futuros estudantes da Universidade Virtual do Estado de São Paulo – que em si também não é legítima, enquanto a) não prevê “o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, conforme consta no artigo 207 de nossa Constituição, e b) é criada a partir de um decreto, que evidencia a indisposição governamental em construir um diálogo com a comunidade universitária.

No Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, estudantes, funcionários e professores estão em greve. Além da solidariedade à comunidade universitária da USP e do repúdio à presença da Polícia Militar no campus, a bandeira específica da greve é a contratação de professores. Houve redução de quase 50% do quadro de docentes, de dez anos pra cá, enquanto o número de estudantes cresceu. Sobrecarrega-se o professor, que, se quiser continuar com sua pesquisa – que não recebe capital privado por não ser de interesse imediato do mercado –, não pode se dedicar à formação dos estudantes. Os problemas de infra-estrutura também são alarmantes: a biblioteca, em reforma, foi inundada num dia de chuva forte, e correu-se o risco de perder parte de um riquíssimo acervo.

A greve acaba por ser o instrumento historicamente utilizado para deixar claro o posicionamento dos que contestam o status quo. Nesse momento, o desejo é chamar a atenção da população ao projeto político em curso na educação. Mobilizamo-nos e paramos nossa produção intelectual para nos dedicarmos a pensar sobre o projeto político privatista da educação e manifestar nosso descontentamento com esse tipo de Universidade. E quando a polícia militar é requerida na Universidade, e ouvimos, de outro lado, que é inadmissível a presença da polícia no campus, é hora de questionar, também, se é admissível a presença da polícia em outras manifestações de outros movimentos sociais. No centro da cidade de São Paulo, por exemplo, são muitos os pedidos de reintegração de posse de imóveis públicos ou privados, outrora ociosos e então ocupados, que são processados com a ação truculenta da polícia militar – muitas vezes envolvendo prisões e mortes de militantes. Esses imóveis são, também eles, pontos de ilegitimidade, se vistos sob o viés da Constituição, pois descumprem a função social da propriedade; e quando a reintegração de posse é cumprida, vê-se aí outra ação ilegítima: veda-se o direito à cidade, discutido e concretizado, em lei, no Estatuto da Cidade. É a polícia militar atuando na criminalização dos movimentos sociais, e fazendo uso de sua ‘violência legítima’. Legitimidade para quê(m)?

convergências

Thursday, June 11, 2009

miolina

mensageiro natural de coisas naturais
quando eu falava desse temporal
você não escutou
lô borges

me disseram que eu viesse aqui, pra pedir de romaria, eu só mostro meu olhar, meu olhar, meu olhar, estes teus olhos que foram tão meus, entenda, por deus, eu morro pensando no nosso amor.
espero a madrugada, meu coração dilacera, a pálpebra braseia e qualquer movimento cheira a crepitante. cheira a ruptura, cheira a processo. não é cessar o movimento, nem continuar no não-movimento; não é inércia pura nem sono sem sonhos. nem sono entrecortado. nem manhãs regadas a álcool, o hálito acetinado constante, não. o que eu quero é nada, nada, nada, nadamente.

(no começo do texto, referências às músicas 'romaria' e 'eu preciso aprender a ser só'; será que preciso citar isso aqui? bom, tá falado.)

Sunday, June 07, 2009

tanto sol

te ligo afobada e deixo confissões no gravador
chico buarque e tom jobim, anos dourados

me enrosco no tempo denso e frio, fungo o nariz no sábado e já é noite de quarta-feira. no almoço de domingo o sol vem me visitar. os pontos luminosos insistem pela semana, no cabo de um mês a alma percebe fotografias com sabor de bolero, e a certeza do desamor se esvai a fogo e ferro. salpicada de qualquer gosto de fruta madura, empantanando ávida em poesia e sol.

Thursday, June 04, 2009

dois poemas

um da alice ruiz:

saudade
de ver salinas
sentir de novo
o cheiro do sol
nas retinas

tocar você
e ver você sentir
o que tem de sal
no meu gosto de menina


, e um meu:


meu coração balanceia
e se enfeita dos enlaces mais bonitos.

ser mulher é arremate:
classe, desejo, obstinada
vagueia por entretantos,
trama o riso e encera
outras tantas primaveras
em tudo quanto é vislumbre.
incerto devaneio
de horizonte em veraneio
destarte, desponta em vulto
qualquer réstia de razão.

nem assombra!
brisa leve, acalanteia.
e enche a lua.

Tuesday, June 02, 2009

compulsão

polícia civil do estado de são paulo. quinze minutos de espera, nem dá tempo de imergir na leitura. uma bicicleta esbaforida fura a fila, beleza, agora eu termino um parágrafo. café ou chá?, tanto faz, desde que seja puro, é só o costume. não tem canetas nem papéis em cima da mesa, nem copinhos descartáveis ou lixeiras. não tem cenário. não tem choro, olhos vermelhos nem desgraça, nada do que deveria ter numa delegacia de romance com discoteca e cavalos-de-pau. nem tem greve, nem sarna. tem um funcionário público, pra não dizer que é deserto. não é melodrama, nem melancolia bucólica; claro que é burocratizado, mas isso não vem ao caso. ele é todo bem-humorado, usa uns óculos modernos, um cabelo já ralo, podia ser meu pai, mas não. olha nos olhos, tem o jeito de digitar de curso de datilografia, os punhos não saem do lugar. invejo; meu jeito de digitar é displicente e sem método, será isso também testemunho do meu tempo?, ele só usa maiúsculas, e nós as minúsculas, também isso?. sem saber, me afeiçôo, ele se afeiçoa, é mais do que compaixão ou cumprimento de protocolo. as piadinhas desanuviam, assino as cinco vias, antes eram nove, nem sei pra onde ia tudo, e me conta, eu perguntei, pra onde vai cada uma das cinco vias. maravilha de sistema; preciso também de um método. comece deixando de andar desacompanhada em vias escusas. os papéis voltam com a assinatura do superior. obrigada, boa sorte, tudibom. despedida on the rocks e a respiração se aprofunda. agora é o carro meio sujo, meio bagunçado, com o pneu dianteiro um pouco murcho, e um toca-fitas, no século vinteum, cantando uma emepebê de outra década, depois um rock rural e a velocidade constante. diminuída pros pedestres passarem.

Monday, June 01, 2009

nem vela

ousam dizer 'literatura feminina', ousam dizer do sexo por demais banal, por demais requintado, por demais extravasado por penas duplas, unhas por fazer. acho graça. vou ali ter um orgasmo e já volto, se deus quiser.