Thursday, April 24, 2008

Abril despedaçado

Quando enfim esteve certo de seus sentimentos, chorou.
Não assim repentinamente; ele continuou caminhando, o ritmo da desaceleração pulsando. Andava lento e sentia o coração pulsar na cabeça. Parou. Procurou um espaço, na sarjeta, eu não estivese extremamente sujo aos olhos e sentou. Rabiscou, com um galho, umas letrinhas que logo viraram círculos, no asfalto estranhamente meio molhado - tinha chovido?
Largou o galho, apoiou os cotovelos nos joelhos dobrados. A cabeça firme, olhos na linha do horizonte, as lágrimas.
Depois disso, percebeu que os corpos todos choram. E ninguém (quase) nunca percebe.

Monday, April 07, 2008

Sobre o esboço, tanta arte

Normativamente, é importante dizer, um esboço é caracterizado pela sua incompletude. Por não estar terminado, concluído e acabado. Incrível, talvez contraditória mas – creio – justamente pelo traço da fragilidade, um esboço contém sempre algo de mais instigante, de deliciosa obtusiodade [o ato de ser obtuso], de encantamento. O esboço é a arte feita e por fazer, é a dialética de preenchimento e vazio, o encontro transcendente entre escritor e leitor, formadores e conformadores, talvez a partir – mas tendo a crer que apesar – da experiência.

Porque vejo a experiência como destruidora da criatividade e da esperança. Humildemente tomo esta idéia emprestada de um pensador maior, visto que não brotou em mim, mas fui por ela contagiada através de uma de muitas leituras que me chegam, oportunamente, através de pessoas queridas, momentos imprevisíveis, arroubos de sensitivismo ou qualquer outra coincidência que alguns insistem que a conjunção dos astros pode justificar ou explicar – eu não duvido.

Digo, não duvido, mas tampouco creio. Os índios, li em um antropólogo arrogante, inventam suas verdades a todo o tempo, quer por brincadeira, quer por ingenuidade, quer por serem elas mesmas as verdades, quer por serem as mentiras que devem – e são, portanto – contadas. Pois bem, também não creio em bruxas, mas que elas existem, existem. Suspendamos a discussão de cunho estrita e explicitamente espiritual e religiosa e continuemos.

Após introduzir o esboço como encantamento, permita-me a exaltação de qualquer tipo de deslumbre. Encantar-me, hoje, é meta primeira de minha vida. Rechaçar os padrões de cultura, os domínios do capital e a superficialidade das relações. Embriagar-me das virtudes que eu, e somente eu, vejo em cada mulher e em cada homem. Deliciar-me com os carinhos e as sutilezas – envoltas, explícitas, enlameadas, dissimuladas e dissolutas – de cada qual que me cruza o caminho e me pede – ou peço eu – um pouco de tempo.

Porque o tempo, ensinaram-me, é único de cada relação. São os tempos, por assim dizer, os estruturantes das peculiaridades de cada relação humana. Relação indefinida, não só por toque, respiro, suspiro, brisa, olhar ou verborragia; relação indefinida. Escrevo apenas na negatividade de uma passível limitação, para estender o caráter humano às mais maravilhosas unicidades possíveis. Embora não viva só no tempo do possível. O tempo do desejo, o tempo da tolerância, da autonomia e do cuidado, das mediações entre ser, mostrar e parecer; são todos tempos do não-possível. Por serem tempo são também realidade.

É o ato do concreto, a respiração ouvida que faz meus anseios crescerem exponencialmente. Não quero a intolerância dos infelizes, quero as experimentações sem precedentes, as experiências sem opressões. Quero a magia de um mundo sonhado, imaginado e vivido e sentido e apalpado. Dentro da realidade que construímos, esse mundo também tem seus tempos. E suas realidades.

É o mundo que dói, sim, ainda dói, e a dor pode, sim, continuar insuportável. Não é um mundo mais aceitável; nem ele por nós nem nós por ele. As concretudes das dores tornam a vivência ainda mais insuportável, tanto aos olhos de quem as vive como aos de quem as sente. E, embora a crueza da realidade soe tão dura a ponto de furar os tímpanos, não se desiste nem se desespera.

Desespero é para os que não tiveram, ainda, coragem de encarar o mundo com os pés fincados no chão e o olhar no horizonte, atravessando perceptivelmente as portas, janelas, os muros e construções no caminho. Desistência não enfraquece, nem tira a força dos persistentes; desistência é estado de espírito; não estado de ser. Desistência nos acomete diariamente, mas é justamente por sua falta de consistência que não deve nos consumir (e não consome). A esperança não-aniquilada não cede à desistência, ainda que seja este o seu desejo.

Porque a magia persiste no mundo, talvez nas consciências individuais, talvez em sentidos, subjetivos e objetivos, encontrados nos mais diversos lugares, espaços e tempos. Talvez a magia persista porque o estado da magia é o estado da busca. E o estado da busca é o estado da esperança não-aniquilada. E por mais que o raciocínio esteja circular, não me desespero. Isso é só o esboço de tanto que está por vir.