Sunday, April 19, 2009

[um início]

A bailarina era ou não era tão leve quanto parecia, pensou, enquanto a recuperava do chão. Sem mais corda na caixinha de música, não durante os girares remanescentes. A gritaria cessara, alguma canseira contornava os batentes das portas. Um pouco de terra no chão, nenhum caco de vidro, riscos de caneta em tecidos mais ou menos nobres. Alguma réstia de sol, e um canto qualquer de passarinho anunciou bom dia. Deixou-se desmontar na cadeira de couro tão envelhecido, alguns espasmos imperceptíveis a olho nu vagando pelo corpo. Qualquer desatenção na mente seria bem-vinda, eleitas foram as asas de cupim esparramadas no parapeito da janela; só aumentaram a aflição, e aos espasmos somaram-se arrepios na base da coluna, o grotesco pelo inseto que corrói. Bateria com os nós dos dedos no parapeito da janela para constatar o pó da madeira destruída. Uma brisa desmontaria a estrutura de uma casa nessa situação, pensou de relance; inspirou forte na ânsia de um vendaval.



Bailarina, de Miró.


Friday, April 17, 2009

Canção.

Fecha essa janela
que o barulho aqui de dentro
não me traz recordações.

Tiro estes sapatos,
me desnudo, me desfaço
e faço acordes, sem cordões.

Dorme feito as frestas
do Sol doce que te afaga
e dá licença de pousar.

Ensaio um riso leve
de ternura de criança
de quando o Natal chegar.

Vai, não te levanta.
Canto a ti e canto à toa,
como quem enche balões.

Vem, não me incomoda
a nudez doce, rio à toa;
contigo a rodopiar.


(Esse poema meu saiu numa edição online da Revista Cult :))

Thursday, April 09, 2009

Nem poeira

Parece-me não haver dúvidas de que o movimento estudantil, na sua atual configuração, e na verdade de imediato, desemboca justamente na tecnocratização da Universidade, a qual quer supostamente impedir.
Adorno, em carta a Marcuse, maio de 1969.