Saturday, August 25, 2012

do luto, ainda


basta a convalescência
que o mar não ensina
tampouco o tempo, a bebida,
maltratar-se (corpo e alma),
a meditação, o sexo: nada
convalesce um coração estilhaçado.

só a fome.
só a fome pode ensinar a convalescer do irreparável.

Friday, August 24, 2012

comoção durante uma assembleia


fiquei tomado. a senhora parece muito a falecida da senhora minha mãe, deus a tenha, esses olhos, lá na bahia, nossa senhora, fiquei arrepiado. o que é que eu dizia? que nossa mentora é nossa cabeça. nós vamos com nossos pés pra onde nossa cabeça destina. eu sei o que é o sofrimento de cada um de vocês. e eu vou estar junto com cada um de vocês, se vocês estiverem junto comigo, junto com o movimento, lutando também pelo seu companheiro. eu me sinto bem quando posso fazer alguém feliz. obrigada pelo presente, matei, matei sim um pouquinho da saudade da minha mãe, quantos anos, meu deus, obrigado.

Thursday, August 23, 2012

uma história possível do jardim em frente ao bradesco


eu fui atropelado. fiz aquele jardim ali, vê como está bonito, as mudinhas, o desenho da terra todo alinhado, vê. dá gosto olhar, né não? aqui debaixo é tudo buraco. é tudo buraco debaixo dessa cidade, sabe, eu não bebia, cavei esses buracos todinho. mas você é bonita, hein? me lembra minha filha quando moça, ela me deu três netos, tudo homem, varão. nenhum deles sabe fazer jardim. sabe, pra fazer jardim tem que ter muito silêncio dentro de você. não é saber que planta que pega bem, é saber que planta o jardim ali quer, fazer todos os convites, sabe, honraria? jardim precisa de honraria. fui muito mais feliz fazendo jardim do que cavando buracos. claro que falar que fiz essa buracaiada aí impressiona, né, eu e meus companheiros, mas a gente nem anda nesses trem, não. eu gosto é do jardim. ninguém olha pro jardim, só querem saber do trem mais rápido e mais moderno, dizque tem trem que nem motorista tem. é que não bate sol, já basta eu não ver o sol nunca nunca nunca porque agora bato ponto de segunda a sexta, já basta acordar no escuro, sair de casa no escuro e voltar já tá escuro de novo, quando é folga eu faço jardim. não me meto nos buraco pra ir lá pra zona norte, nos churrasco dos companheiro, ah não. gente também precisa de sol. a honraria do meu jardim é eles receberem meu sol todos os dias. e me convidarem quando é folga, é. pois fui atropelado, menina, então, é por isso que tô pedindo pra você usar essa tesoura e podar aquele galho ali pra mim, faz favor.

Thursday, August 16, 2012

da brandura à espreita

todo concreto quando em calçada
deveria por lei receber
(quando fresco ainda, é importante)
folhas na caducagem

o carimbo alinhavado
seria a prova dos nove
da brandura, sempre à espreita,
revelada a olhos atentos.

quando o mundo convida


amei alguém que me deixou
não amei quem me deu o conselho mais valioso:
confie no movimento da vida.

é tudo aberto demais, ou quase.

Friday, August 10, 2012

arte é movimento


não me olhe com espanto.
se enegreço o desenho tão bonito,
é tudo feito com brandura:
cai a noite na cidade.

Tuesday, August 07, 2012

do gesto cheio

para t.
sua palma da mão sobre as vestes da minha coxa esquerda
tem o peso exato do quarto
movimento da nona sinfonia de dvorak:
faz-me sentir viva.

Sunday, August 05, 2012

[quando eu morrer]


quando eu morrer
jamais plantem flores na terra sobre mim

não me dêem lápide sepultura não encravem
minhas datas em pedra nenhuma
deixem-me
ao léu

meu epitáfio será dente-de-leão
como praga
espalhando-se na terra.