Thursday, October 30, 2008
maria
eu quero é que esse canto torto, feito faca corte a carne de vocês.
Monday, October 20, 2008
Da estrangeirice
Wednesday, October 15, 2008
Pausa necessária ao fôlego da caminhada (4 e último)
Pois que o acúmulo progressivo dos tempos, do qual te dizia eu enquanto notava que você não me ouvia, o acúmulo progressivo de tempos também é a história. E não deve ser por acaso minha falta de recordação da história recém-contada por você. Sua tentativa de compartilhar comigo sua história, se fora compartilhar, é fracasso. Perdoe-me o lugar-comum extravasado, mas a partilha só existe quando a vontade é mútua. Como saber essa vontade mútua se sequer se sabe a vontade? Mas essa já é outra história. Dizia, eu, de sua história olvida, irreal e progressivamente adormecida em mim – pois que o desbotado também é processual. Sei te dizer uma coisa: as pessoas não se escutam. Uma vez perguntei a um professor sisudo o porquê dos problemas de comunicação, se tudo o que vejo são sons e barulhos e risos. Ele explicou-me condenando o riso. Disse que estava no riso o problema da comunicação, da falta de seriedade na cumplicidade. Não vi espaço para questionar a autoridade da figura, mas ele que me perdoe: se existe algo que denota cumplicidade, esse algo é o riso. O sorriso, a gargalhada, o riso é sempre sincero. O riso amarelo a gente vê num tapa, o riso sincero não deixa dúvida. E tem gente que ri do riso dos outros, quer forma de comunicação mais sublime?
Olha, me desculpe se te chateio com toda essa minha especulação, mas são as coisas que eu acho, mesmo. E acho também que a gente não tem que ter pudor pra falar, nestes tempos, não. Entre suspensões e apologias, fico eu cá com minhas aporias que, se não me satisfazem, me representam e me acalantam. Não faço odes a racionalidades, tampouco sei de curas milagrosas ou cientificamente comprovadas. Muito me agrada sua companhia, mas este é um país livre e o senhor tem todo o direito de deixar este balcão (não te exijo sequer sinceridade), as luzes acesas ou não. Felicidades eternas não desejo, mas meus cumprimentos e minhas saudações. E, se me permite uma recomendação: gengibre, música, açúcar e estrelas, para a voz.
Wednesday, October 01, 2008
Pausa necessária ao fôlego da caminhada (3)
Confesso, também, que nada mais me recordo de sua história. Peço desculpas; seria hipocrisia culpar o tempo, pois acabo de tomar conhecimento dela e ela já me escapa pelas mãos. Cada palavra que me assombra é responsável pelo adormecimento das anteriores. Mas também não posso exigir recordações de algo que me forma apenas no imaginário. Hoje, toda história ouvida é também história olvida, pois não passa da imaginação, talvez aliada à vontade da preservação, e, melhor ainda, da elaboração do passado – legitimada pelos acenos positivos de cabeça do interlocutor (consciente ou não do que lhe está sendo despejado e esperado).
E, apesar de você me contar de sua voz rouca, o que me marca e persiste na memória são seus olhos e o movimento de suas sobrancelhas – o que não deve ser surpresa, depois de explicitado meu elogio à verdade e minha busca. As sobrancelhas, expressão feliz da intocável procissão de harmonia, celebrada por você. A cumplicidade instaurada pela troca sobrancelhas-percepção abriu um novo mundo de liberdades, para mim. Mundo este agora governado, então, por um novo tempo: o tempo de liberdade. Tempo infinito, não-finito; se um outro tempo for um dia definido por outro elemento que não a liberdade, ele será somente um outro tempo definido por outro elemento que não a liberdade. A mecânica entre a outra definição e a ausência de liberdade é, assim, uma falácia: o tempo outro não exclui o tempo de liberdade. A liberdade não se extravia, mas os tempos tampouco se sobrepõem; acumulam-se – mas não em camadas, nem contínua nem linear (tampouco caoticamente). O acúmulo é progressivo e harmonioso. Os elementos se sobressaem não porque nos salta aos olhos, mas porque nos salta a. A nada. Sinto, não sei dizer por que os elementos se sobressaem. Talvez seja a minha neurose, ou a necessidade inculcada da sistematização para que a comunicação seja possível entre nós. Mas dizia eu do acúmulo progressivo, ele é síntese mágica e profunda, sem preocupações com funcionalidades perseguições ou erros. É promessa, assunção e percepção de desejo e de conceito. É a não separação entre esferas do mundo, é pensar a totalidade em conjunto com a especificidade do que se pensa, de tudo que se pensa, e, mais do que isso, é não se limitar ao pensamento. É entender e consentir a corporeidade: mente, espírito e corpo em ensaio perene de compreensão.
E, quando insisto na plenitude inatingível, sei do seu caminhar lento, da sua voz rouca e deus cabelos quebradiços. Sei de sua voz rouca antes do início da conversa, e, convém lembrar, não te exigi nenhuma explicação. Como não te exijo justificativa, clamo apenas por gratidão. Gratidão sem sujeito e sem objeto, gratidão como movimento, dádiva, dom e, principalmente, gratidão como reconhecimento. A gratidão, ensino-te, pode ser tão bonita quanto a valsa, quando no embalo não se espera um salão nobre ou baile de máscaras para encerrar grandiosidades medíocres ou fracassos. A gratidão pode ser a valsa bonita que soa com o caminhar sobre o gramado em dia de sol não tão quente, o ritmo cardíaco e a respiração em compassos que até o padre duvida. Gratidão explode, ainda que tímida; gratidão derrama lágrimas e sorrisos e beijos e abraços e sal e doçura. Gratidão não é quando nem como, é deixar ser e estar. Consciente e confortavelmente, sentir-tocar. Gratidão não se ensaia – embora os ensaios também contenham dose cavalar de improviso, emoção e doação genuína – e o genuíno é a construção coletiva e particular, os pesares, os processos, a história.