Thursday, October 29, 2009

não quero tinta

no youtube, se você clica em 'mais informação', a informação aparece, e o lugar em que você clicou vira 'menos informação', e aí você clica, e a informação desaparece, sem deixar rastro nem impactar.

eu quero um botão desses.

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do oriente
Romances astrais
A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais.
Belchior, Alucinação

Wednesday, October 28, 2009

(sem título)

estou aqueles cachos sentados observando a festa.

os olhos da escorpiana desafiam em ode a Baco desapercebida se oferece à música encantada sons e corpo-tambor e acordes e notas sustentadas no sorriso.

sedução alucina.

me esqueço das outras mulheres que amei, desejo meu é permanente discrição – não ouso interromper essa profusa comunhão.

duas taças, pouco mais distantes, brindam. nem são de cristal, mas o encontro ecoa.

Tuesday, October 27, 2009

de idade e ternura

meu pai tem uma mania, anunciada e assumida, de encher de penduricalhos a casa. trazer de casa viagem ou passeio (e ele pede, e nós sempre trazemos) enfeites, ímas de geladeira, qualquer lembrança pré-fabricada pra turista ou colhida na rua sob olhos desatentos de viajante andarilhesco. às vezes vem até algo travestido de funcionalidade (trouxemos telhas e panelas de barro do espírito santo, e o peixe fica mesmo uma delícia). já me irritei e já tirei sarro dessa mania, mas hoje vejo que me faz tanto sentido! ter a casa impregnada de história, despretensioso e acolhedor assim.

Monday, October 19, 2009

desengano

tudo bem que seu beijo é seco
fica.
eu hoje prefiro chuva à solidão

Sunday, October 04, 2009

domingo

vida e morte se enlaçando
enlameando-nos no escracho
do escancaro escapulido
à meia-luz à queima roupa

um cesto de vime e na quina
um cordão dependurado
jaz desbotados dizeres

movimento e ventania
benção flores luzidias

Saturday, October 03, 2009

cenariando

Desde o princípio que fui independente, de uma maneira falsa. Não tinha necessidade de ninguém porque queria ser livre, livre para fazer e para dar só de acordo com os meus caprichos. Mal esperavam ou exigiam alguma coisa de mim, recusava e daí não arrancava. Foi essa a forma que a minha independência assumiu. Por outras palavras, fui corrupto, fui corrupto desde o princípio. Dir-se-ia que a minha mãe me dera um veneno como leite, um veneno que nunca me abandonou o organismo, apesar de ter sido desmamado cedo. Parece que até mesmo quando ela me desmamou me mostrei completamente indiferente. A maioria das crianças revoltam-se, ou fingem que se revoltam, mas eu estive-me nas tintas. Ainda usava cueiros e já era filósofo. Era contra a vida por princípio. Que princípio? O princípio da inutilidade. À minha volta toda a gente lutava e se debatia. Pessoalmente, nunca fiz sequer um esforço.
Henry Miller, Trópico de capricórnio

Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões
Gilberto Gil, Queremos saber

Era cansaço, puro cansaço, e não havia meios de combatê-lo. Não havia férias, loteria, banho de mar, búzios ou ajuda de feitiçaria. Olhava ao redor e a poeira nos livros despertava culpa; as roupas na gaveta urravam por repaginação; as moedas acumulavam-se e ocupavam espaços outrora de anotações e rascunhos, por excelência. Antigripais, brincos, canetas abertas, desenhos infantis e fotografias com sorrisos. Cartões postais delicados, um santinho de algum Bodhisattva apoiado na luminária que só acendia para dissimular dos outros moradores da casa que ainda estava acordada às quatro da manhã (não ousava acender a luz do teto). Muitos papéis espalhados, com notas que ela provavelmente jamais (re)leria. Breve composição do cenário.
(fragmento meu)