Saturday, October 03, 2009

cenariando

Desde o princípio que fui independente, de uma maneira falsa. Não tinha necessidade de ninguém porque queria ser livre, livre para fazer e para dar só de acordo com os meus caprichos. Mal esperavam ou exigiam alguma coisa de mim, recusava e daí não arrancava. Foi essa a forma que a minha independência assumiu. Por outras palavras, fui corrupto, fui corrupto desde o princípio. Dir-se-ia que a minha mãe me dera um veneno como leite, um veneno que nunca me abandonou o organismo, apesar de ter sido desmamado cedo. Parece que até mesmo quando ela me desmamou me mostrei completamente indiferente. A maioria das crianças revoltam-se, ou fingem que se revoltam, mas eu estive-me nas tintas. Ainda usava cueiros e já era filósofo. Era contra a vida por princípio. Que princípio? O princípio da inutilidade. À minha volta toda a gente lutava e se debatia. Pessoalmente, nunca fiz sequer um esforço.
Henry Miller, Trópico de capricórnio

Queremos saber,
O que vão fazer
Com as novas invenções
Queremos notícia mais séria
Sobre a descoberta da antimatéria
e suas implicações
Na emancipação do homem
Das grandes populações
Homens pobres das cidades
Das estepes dos sertões
Gilberto Gil, Queremos saber

Era cansaço, puro cansaço, e não havia meios de combatê-lo. Não havia férias, loteria, banho de mar, búzios ou ajuda de feitiçaria. Olhava ao redor e a poeira nos livros despertava culpa; as roupas na gaveta urravam por repaginação; as moedas acumulavam-se e ocupavam espaços outrora de anotações e rascunhos, por excelência. Antigripais, brincos, canetas abertas, desenhos infantis e fotografias com sorrisos. Cartões postais delicados, um santinho de algum Bodhisattva apoiado na luminária que só acendia para dissimular dos outros moradores da casa que ainda estava acordada às quatro da manhã (não ousava acender a luz do teto). Muitos papéis espalhados, com notas que ela provavelmente jamais (re)leria. Breve composição do cenário.
(fragmento meu)

1 comment:

Anonymous said...

Ah, Stella...