Sunday, November 29, 2009

militância, política e moral(idade)

na sexta-feira (dia 27/11/09), fui ler a folha de são paulo, depois de ter dado a última aula de literatura do ano no cursinho popular do qual faço parte.
me deparei com uma página inteira destinada a um artigo de césar benjamin supostamente sobre um filme sobre lula, que deve ser lançado em breve (tinha ficado sabendo da existência do documentário naquele mesmo dia, também lendo o jornal). não sou do tipo que desconsidera a história de vida dos militantes, e tive pra mim o cesinha como um puta militante estudantil no final dos anos 1960 e durante os anos de chumbo da ditadura brasileira. sabia que ele tinha saído do PT e depois do PSOL, mas não sabia mais por onde andava, se continuava militando. gostei de ver seu nome (me traz alguma familiaridade, uma sensação de quentura, tenho certeza de que é porque quando li '1968: o ano que não terminou', de zuenir ventura, no auge de meus anseios revolucionários mais brutos em mente, alma e coração, o cesinha (ou o que o zuenir dizia dele) fazia meus olhos brilharem), e li o artigo numa sentada.

e confesso que fiquei atordoada. ler sobre prisões, tortura, sofrimento humano e situações-limite - ele relembra, dentre outras coisas o tempo que ficou preso em solitárias -, sempre me atormenta (foi quase um martírio ler 'brasil: nunca mais').

pra mim, é inegável que o artigo é de uma sensibilidade que comove, sem ser banal ou clichê. mas não direito por que me intriga perceber que o cerne da polêmica por ele levantada é se é verdade ou não que lula tentara abusar de um menino quando esteve preso. se for verdade, guardadas as devidas proporções, temos algo como o 'caso polanski brasileiro'. se não for, cabe pensar também duas coisas: a) ficou encrustrado na vida do então adolescente cesinha a história de deboche, a piada (ainda que de mal-gosto) do então pré-candidato petista, e, verdade ou não, a história atormentou o mais jovem, e tornou-se parte dele (não vou tratar de como discursos que remetem a traumas - além, é claro, dos própriso traumas - nos transformam, moldam, compõem); b) cesinha, que saiu do partido dos trabalhadores, foi para o partido socialismo e liberdade e posteriormente também com este rompeu, e taticamente escreveu esse texto como mais um elemento de uma campanha anti-lula. bem, é claro que essas duas hipóteses que levantei podem se embrenhar, e matizar as motivações que levam alguém a escrever um texto como esse. de qualquer modo, não estou aqui tentando investigar seu espírito e encontrar suas motivações mais profundas para a produção do artigo.

mas não dá pra não pensar em narrativas, em como narrativas fazem história (o que lula contou ou deixou de contar; o que cesinha ouviu do que foi dito ou não-dito) e são história (o que ele escreveu no artigo; a repercussão do artigo). não dá pra não pensar nos perigos e perversidades de elaborar o passado, de olhar para ele em retrospecto (e olhamos para ele deoutra maneira que não em retrospecto?). e na combinação entre as urgências de elaborar o passado em função do presente, articulado (também me parece que não tem como ser de outro modo) com vivências afloradas (quer também tidas em retrospecto - a lembrança de césar benjamin de estar preso; a lembrança da conversa com lula anos atrás; quer presente ainda pouco elaborado - a saída de cesinha do PT, e, posteriormente, do PSOL; quer prospectos - o final do mandato de lula, a possibilidade da continuidade de sua política após as eleições).

aí também não dá pra não pensar na tensão entre público e privado - e até onde vai o limite de exposição de intimidade e a politização da vida privada. se é verdade que o presidente da república tentou abusar de um menino na prisão, por que isso não veio à tona antes? estar na prisão também se configura num estado de exceção, tanto no que diz respeito às regras próprias de se estar lá, como à sociabilidade específica entre os presos. o que acontece por lá, morre lá? é passível de entrar no debate público e político, anos depois? e se não foi verdade, mas manipulação da história, ou, ainda, qualquer espécie de 'licença literária'? nesse sentido, o caso também se assemelha (embora sob espectros distintos) à tentativa de transformar em escândalo o envolvimento de dilma roussef no seqüestro político do embaixador americano, charles elbrick, também nos tempos de ditadura no brasil.

ah, os tempos de ditadura do brasil. o tempo em si já era um estado de exceção. e muito da discussão sobre o que o artigo de césar benjamin tomou um viés moral. como falar de moral e moralidades num tempo em que as pessoas eram torturadas, silenciadas e assassinadas por discordar da política nacional?

por fim, queria só deixar claro que não acho que seja irresponsabilidade política césar benjamin ter escrito o que escreveu. tampouco ingenuidade (os ex-petistas anti-lula sabem que é sutil ficar ou não perversamente mancomunados com os direitistas, não é possível que não saibam!). e eu também não tenho culhões pra acusar o benjamin de direitista nem de neoliberal - por tudo o que disse ali em cima, que, sinteticamente, tem a ver com a história do cara. e aos que argumentarem 'veja a história de vida e política de lula, e hoje ele é neoliberal', tenho minhas ressalvas. a coisa não é tão preto-no-branco assim. é claro que a política nacional tem alinhamento com a política neoliberal, mas daí a dizer que 'lula é neoliberal', chapado e desistoricizado assim, me incomoda, e não resolve o problema. antes de quaisquer acusações, gente, pelamordedeus: eu não sou lulista. a real é que eu queria entender a geração dos anos 70, dos anos 80, dos anos 90... e, bom, no fim das contas, o que fica é a angústia da e na esquerda. e a angústia de perceber que o problema de ser real ou não [a tentativa de abuso de lula pra cima do menino na prisão] vira quase secundário. ô se assusta, tudo isso.

Monday, November 23, 2009

amarelada, flana, ainda

a tríade silêncio-fala-pensamento prega peças, desafia, surpreende e me encanta.
numa dança das mais sutis, o tom do mar se apresenta como amigo do peito; a delicadeza das palavras desponta sem pedir licença pelas serenas frestras de expectativa; há permissão, desejo, calmaria e notadamente meu corpo. o sol enlameia como o vácuo entre o chinelo bem pisado e a terra molhada; a noite cai amena, desapercebida que estou com seus cabelos. alguma santa chuva recém-nos-fita e envolve. cedemos, e há sorriso.

Wednesday, November 18, 2009

cinco meses

And the days are not full enough
And the nights are not full enough
And life slips by like a field mouse
not shaking the grass.
Ezra Pound

luto.

(e a saudade dói latejada.)

Tuesday, November 17, 2009

vernal

brindo cada copo de cerveja, água ou café. brindo e olho nos olhos, mas nem desanimo se não há encontro.
levanto os ombros quando tímida, ensaio um olhar de esgueio, sorriso de canto da boca e a mão entre os cabelos e o pescoço, algo provocante enquanto noto e digo ou não digo? da beleza do céu de manhã cedo, bruma leve e carinho na pele. me enrolo em termos antigos, busco outros músculos e vernáculos.
já é noite quando cedo ao fantástico da pele e a outros dançares. são ritmos e tons que, sonoros, táteis, visíveis, me fazem sentir cheia de vida. de memória, de história, de porvires. reconheço as dores e o alívio que elas me deram a um dos meus medos maiores: esquecer. hoje, sei que nem tempo nem amor nem dor nem saudade nem falta nem além faz(-me) esquecer. as reminiscências floreiam todo o tempo, e o encanto não é menor. assusta menos, saber que existe tanto encrustrado n'alma e no coração e que isso não conforma nem molda: compõe da maneira mais original e bonita. entalha. paciência de ourives, afinco de agricultor e certeza de mãe-de-santo. por aí.