para ler ouvindo, talvez, 'i'll follow the sun', dos beatles.
primeiro foi o cd que - e eu juro não ter tratado mal - deu pra só tocar a faixa 10, cismando no não me leve a mal, embalado por aquela voz doce então metálica e irreconhecível. olhei contra a luz, alguns riscos, nada que outros também não tivessem - eu ouço meus cds até criar sulco. de imediato, baixei as músicas - sabia a ordem das faixas de cor - e gravei de novo. num novo que não caía bem. ficou esquecido, até meu irmão encontrar e perguntar se podia usar numa das suas instalações itinerantes. debaixo da poeira acumulada, vi nele as iniciais dos nossos nomes. já fazia alguns meses, nada caía bem. e não caía mal, também - sequer incomodava. dei um meneio de cabeça, cerrei os olhos. a bicicleta ficou imponente com aqueles brilhantes nas rodas refletindo a luz do sol.
depois foi a experiência do primeiro stencil, numa camiseta branca tão surrada que as duas usávamos pra dormir. ficava ora na casa dela, ora na minha, aquele algodão macio de tanto usar e ser lavado. branco já encardido, o preto do stencil desbotadíssimo, a mescla dos nossos cheiros (que eu pensava) encrustrada. na arrumação da terceira gaveta, sábado à noite, encontrei-a no fundo, amarrotada, cheiro de guardado. joguei na máquina sem me dar conta da calcinha roxa presa no fundo. um novo tom lilás: a camiseta se prendeu - a máquina eu adquirira num rolo havia uma semana, com todos os enroscos a que tinha direito -, meus calcanhares saíram do chão quando me debrucei puxando o trapo. a camiseta em algodão macio se desfez na minha mão esquerda. (o lilás na calcinha desbota cada vez mais, a tinta saindo à medida que o conforto do tecido aumenta e recebe meu corpo.)
foram se sucedendo, por esses longos seis ou sete ou oito (estamos em junho?) meses depois da nossa separação, esses pequenos deslizes, essas pequenas sabotagens. esses pequenos adeuzes das coisas nossas-dela, que, por sufoco, cansaço, carência ou displicência, não mais reconheciam sua morada ali, no meu apartamento.
na semana passada as taças, é claro, coroaram a despedida. vinho não é bebida que se toma só, sempre bradei, e nem tive pudores em usar as taças que ela havia me dado, desperdiçar um pouco no carpete e no edredon (era noite de lua cheia; a embriaguez comanda a precisão de outros gestos que não o de manter os copos em lugares seguros). foi pela manhã, uma manhã clara, brilho no rosto, louça acumulada. nem fui lavar as taças; só mudá-las de lugar para pegar o pó de café, e elas cederam. como numa dança de despedida desesperada, doce e consentida, estilhaçaram-se aos meus pés. no quarto ao lado, não se ouviu nenhum barulho; estanquei o corte que me fizeram durante a queda, embrulhei os cacos no jornal do dia, com uma mescla de alívio, satisfação e - confesso - o rosto quente e o coração acelerado. era isso, então. abri a porta do quarto, ouvi um suspiro, e me deitei ao lado de um corpo mais quente que o meu, cujo ritmo de respiração é que fazia todo o sentido do mundo.
3 comments:
adorei, stella! gosto do seu estilo e achei esse texto muito inspirado! :)
obrigada, Stella, visite-me sempre que possivel, a minha visita aqui será tambem constante, é sempre bom encher a minha cara com tamanhos tapas de sensibilidade!
carpe diem!
sim, é impressionante, quando um relacionamento acaba, os objetos que o compunham também começam a morrer. comprovei isso aí com o fim do último.
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