Saturday, September 25, 2010

domingo

vem cá,
me diz seu amor
em silêncio de pescaria.

Friday, September 24, 2010

registros

Tlect. e é o momento em que do movimento conquista-se
a precisão estática
MAS
pode ser uma avalanche de palavras - captação de estado de psiqué (por definição não estático
MAS
é que é preciso alguma secura para a imagem
não virar líquida )
OU
são líquidos ou quase isso
com suas tão-duas densidades, e as possíveis misturas e claras fronteiras
da disposição
OU
da indisposição em manter sistemática coerência
oriunda/que reverbera em/ em relação dialética com
departições, separações espaciais ou (assim prefiro) temporais.



(não consigo evitar variações sobre o mesmo tema)

Wednesday, September 22, 2010

cochilo no frio

clareia-se de luz vindoura não sei d'onde o cômodo mais úmido que o normal. respiro e é doloroso acordar, como o é em toda despedida travestida de ânsia adolescente por ritmo. há que se ouvir o corpo, penso, esfrego os olhos e me levanto com cuidado, retorcendo as costas. talvez já seja tarde demais, mas - num átimo minha sensatez de tempo-espaço toma as rédeas e me tranqüiliza: ainda é cedo. dá pra voltar a dormir e arriscar um sonho.

Tuesday, September 14, 2010

memórias III

não tenho nenhum apreço por este apartamento, te digo. minhas memórias estão espalhadas e não é na outra casa nem nas salas de cinema, bibliotecas, parques, aviões. minhas memórias estão nas folhas que caem nas praças marginais das cidades, as que têm banco de concreto e mato e às vezes um pé de tênis sem cadarço ao lado de uma garrafa, ou uma criança que corre. estão em colagens que passam desapercebidas nos centros da cidade, nos rabiscos nas últimas folhas dos cadernos adolescentes; algumas estão em portas de banheiro público, um pouquinho numa rodoviária pré-feriado, aí sim. na rua de uma cidade do interior com o sol amanhecendo num domingo dia-das-mães, eu muito jovem, reconhecendo a cidade, insone. minhas memórias estão na retina de um senhor simpático com sotaque argentino que me diz galanteios e eu, menina de tudo, enrubesço. no café fraco da minha avó, misturado com cheiro de queijo meia-cura e o sotaque que me traz alento e raiz. minhas memórias estão na cicatriz que marca o dorso daquela mulher, do umbigo até quase a lateral do seio, e nas coisas bonitas que me dissera. minhas memórias não são palavras, mas o que as palavras fizeram em mim. minhas memórias pairam, assim. adoçam um bom dia. são o ramo bento prestes a ser queimado pra santa bárbara proteger a casa quando chove tempestade. minhas memórias não cabem em mim, e é também por isso, um pouco por isso, que as compartilho.

memórias II

eu gosto muito de xadrez, mas odiava um xadrez desarmonioso que minha irmã sempre usava. acho que era bordô. ou lilás, mas sem charme algum. vestia sempre e ia regar as plantas, mas o meu cacto ela regava só de vez em quando, como eu tinha ensinado, que é pra ele não acumular um monte de água e morrer. eu gostava do cacto no meu quarto, tinha um cantinho pra ele lá, todo especial. mas quando ele começava envergar implorando pela janela eu deixava ele uns dias no quintal tomando um solzinho. minha mãe me ensinou o nome desse arrastamento que é: fototropismo, mas eu acho que era agonia. eu, se fico uns dias sem ver sol, me arrasto pela casa e perco a vontade de sair. evito as janelas. mas não sempre. se vejo alguém entrar corado, fico envergonhada, corro me pintar e finjo. desço e subo, pela escada, algumas vezes. se tenho meus óculos escuros, dou uma voltinha pelo bairro, sim, cumprimento quem passa, quando subo de novo preciso me sentar que meu coração acelera. são muitos os lances de escada, e muito a vida propõe. mas olhe, quando você for sair, encoste a porta. já já os mais novos levantam e não quero que peguem friagem.

memórias I

minhas memórias são retalhadas. eu nunca sofri um acidente de carro e tenho cicatrizes do tamanho de um casco de jabuti. jamais precisei esfregar o pára-choque do carro pra limpar vestígios de sangue de um atropelamento ocasional. mas minhas roupas são impregnadas de respingos amarronzados. eu não sei a máquina de lavar ainda está enferrujada, talvez seja isso, ou o varal. não me lembro da casa onde passei a infância, mas tenho cá comigo uma primeira vez de lágrimas rolando, meus primos ao meu redor. não tinha sangue nem pancada: era um passarinho-meio-ovo que caíra com a bola que eu não segurei no gol. e ficou ali espatifado, e nós todos tão crianças com aquela dor tão imensa e a culpa pelo passarinho-meio-ainda-ovo no chão. porque ele ainda não sabia voar. me lembro também de um hospital, muitos anos depois, uns cabelos brancos e a falta de ar que eu disfarçava quando entrava e dizia o 'bom dia' mais alegre que conseguia. morria um pouquinho sempre que punha os pés naquela branquidão, e quando percebi que o tom era igualzinho ao de casca de ovo, vomitei.