não tenho nenhum apreço por este apartamento, te digo. minhas memórias estão espalhadas e não é na outra casa nem nas salas de cinema, bibliotecas, parques, aviões. minhas memórias estão nas folhas que caem nas praças marginais das cidades, as que têm banco de concreto e mato e às vezes um pé de tênis sem cadarço ao lado de uma garrafa, ou uma criança que corre. estão em colagens que passam desapercebidas nos centros da cidade, nos rabiscos nas últimas folhas dos cadernos adolescentes; algumas estão em portas de banheiro público, um pouquinho numa rodoviária pré-feriado, aí sim. na rua de uma cidade do interior com o sol amanhecendo num domingo dia-das-mães, eu muito jovem, reconhecendo a cidade, insone. minhas memórias estão na retina de um senhor simpático com sotaque argentino que me diz galanteios e eu, menina de tudo, enrubesço. no café fraco da minha avó, misturado com cheiro de queijo meia-cura e o sotaque que me traz alento e raiz. minhas memórias estão na cicatriz que marca o dorso daquela mulher, do umbigo até quase a lateral do seio, e nas coisas bonitas que me dissera. minhas memórias não são palavras, mas o que as palavras fizeram em mim. minhas memórias pairam, assim. adoçam um bom dia. são o ramo bento prestes a ser queimado pra santa bárbara proteger a casa quando chove tempestade. minhas memórias não cabem em mim, e é também por isso, um pouco por isso, que as compartilho.
Tuesday, September 14, 2010
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2 comments:
as memórias são sempre ou um pouco exageradas ou um pouco embaçadas ou muito. tá bonito, stella :)
que bom ler isso vindo de você. obrigada :)
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