Friday, June 22, 2007

A inversão dos números

A redução do número de professores e o aumento do número de estudantes exemplificam a política do governo estadual de redução dos investimentos na educação e os prejuízos para o ensino superior paulista.

A universidade pública, para a maioria dos jovens, tornou-se apenas um mito. A má qualidade da educação oferecida pelo governo para o ensino básico e médio e o fortalecimento das escolas e cursinhos privados não contribuem para a democratização do acesso à universidade pública. Soma-se a isto o contexto de competição expresso pelas regras do vestibular e o fato de 71% dos estudantes universitários estarem em instituições privadas.

Esta política de estímulo à privatização da educação é impulsionada desde a década de 90 por sucessivos governos neoliberais (Collor, Fernando Henrique e Lula da Silva em âmbito federal; além dos sucessivos mandatos estaduais do PSDB em São Paulo, por exemplo). É característica deste programa político a transformação da educação, que é – ou deveria ser, de acordo com a Constituição federal (art.205) – direito (obrigação do Estado para com toda a população) em serviço (passível de negociação, compra e venda, em esfera civil e individual). Esta política é um entrave à universalização do ensino superior público, gratuito e de qualidade.

Diante deste quadro de desmonte do sistema educacional público, neste ano se fortaleceu o processo de mobilização de estudantes, funcionários e professores contra estas políticas privatistas, e em São Paulo a greve de estudantes e funcionários persiste nas três universidades estaduais (USP, UNESP e UNICAMP). O estopim da crise foram os decretos do governador José Serra, que versam contra a manutenção da autonomia universitária financeira, administrativa e didático-científica; institucionalizam a separação entre ensino e pesquisa e entre trabalho intelectual e técnico, e submetem (quando não desprezam) a extensão – que, juntamente com o ensino e a pesquisa, forma o tripé funcional da universidade – a interesses privados. Com o Decreto Declaratório nº 1, fruto da forte mobilização popular, o governador mostra um recuo; porém o caráter prejudicial dos decretos e da política que eles explicitam para as universidades e centros de pesquisa estaduais foi mantido – expresso, por exemplo, na manutenção da secretaria de Ensino Superior.

Um dos decretos, o nº 51.471, afirma que ficam vedadas a admissão ou contratação de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, incluindo as autarquias, inclusive as de regime especial [as universidades públicas se encaixam nesta categoria], as fundações instituídas ou mantidas pelo Estado e as sociedades de economia mista. Apesar de recuada com o Decreto Declaratório nº1, o decreto nº 51.471 institucionaliza o problema da não contratação de funcionários e professores nas universidades estaduais paulistas, sem acompanhar o crescimento do número de estudantes nas mesmas, contribuindo para a queda da qualidade da educação e deficiência em seus aspectos estruturais.

A falta de professores é evidente, e os números são alarmantes. Na Unicamp, de acordo com a Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH) e a Diretoria Acadêmica (DAC) desta universidade, o número de estudantes de graduação subiu de 7.280 para 17.275 entre os anos de 1989 e 2006. Neste mesmo período, o número de professores, de forma inversa, caiu de 2.103 para 1.827. Neste contexto, a relação aluno/professor, que em 1989 era de 6,5, passou para 17,4 em 2006. O que pode parecer algo vantajoso – aumento da produtividade docente – é, antes de tudo, indício de queda na qualidade do ensino e reproduz uma lógica produtivista, sem preocupação com a formação integral do estudante, visto que é humanamente impossível manter o mesmo nível de qualidade da educação com um aumento grosseiro do número de estudantes em relação à redução do número de docentes. Também exemplifica a redução dos gastos do governo com a universidade pública, privilegiando a entrada de capitais privados para financiamento de pesquisas.

Outros dados para exemplo: Na Faculdade de Educação (FE), o número de estudantes de graduação era 497 em 1996, e passou para 1.878 em 2006. No mesmo período, o número de docentes, caiu de 106 para 98; no mesmo tempo, o número de estudantes da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo (FEC) passou de 402 para 654, enquanto o número de docentes manteve-se praticamente o mesmo (de 75 para 76). Também nestes dez anos, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o número de graduandos desde 1996 subiu de 649 para 1.037. Já o número de professores caiu de 116 para 94. É importante salientar que neste instituto foi construída pelos estudantes uma campanha pela contratação de 75 professores, segundo cálculo dos próprios discentes para manutenção da relação aluno/professor de dez anos atrás, visando a manutenção da qualidade das pesquisas e das disciplinas oferecidas.

Os problemas advindos da queda do número de professores e do aumento do número de estudantes, ambos significativos, podem ser até abafados na opinião pública com as informações que os reitores destas universidades expõem na mídia, como o crescimento porcentual das pesquisas desenvolvidas nestas instituições. Porém, dentro da universidade, muito longe do que surgem nas manchetes de jornais, estudantes percebem a queda da qualidade do ensino e o descaso do governo com a educação superior pública, explicitada também na falta de políticas de assistência estudantil – como moradia, transporte e alimentação –, na redução do número de funcionários contratados por concurso público (acompanhado por um latente processo de terceirização e conseqüente precarização do trabalho), nos processos de flexibilização curricular, e que em conjunto promovem uma universidade sem pensamento crítico-científico, de formação técnico-operacional e voltada única e exclusivamente para os interesses do mercado.
As mobilizações e greves que vemos surgem em resposta a esta política que não prioriza nem zela pelo ensino público. Não nos mobilizamos para manter “privilégios”, mas, pelo contrário, para universalizar o acesso ao ensino público de qualidade e para impedir que a universidade se afaste cada vez mais do sentido que atribuímos a ela: o de exercer uma função social, buscando soluções aos problemas da sociedade – em especial da população pobre e trabalhadora – e sendo, bem como diz a Constituição, um direito para todos.

Stella Paterniani e Sydnei Melo (estudantes de Ciências Sociais da Unicamp)

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