espinhas, aftas, secreções verde-amareladas, hálito purulento, cada unha roída, uma possibilidade.
bruxismo, compulsivo estalar dos dedos, torção de coluna para o conforto do sono que
não vem suores viradas reviradas que aflição terrível os embolamentos e a falta de liberdade que vai asfixiando a ponto de levantar
acender as luzes
arrumar a cama
deitar-se com cuidado meticuloso para o lençol não arranhar
e ignorar a espinha que estourou no travesseiro.
Thursday, August 20, 2009
Wednesday, August 19, 2009
assombro
acordei pontualmente às sete horas, de acordo com o horário de brasília. as cobertas na altura dos joelhos e um sebo corporal além do comum denunciavam a agitação no sono de apenas quatro horas. por sorte, na noite anterior, lembrara de minha avó: peguei um copo d’água para deixar na mesa de cabeceira; minto, no banquinho de três pernas ao lado da cama que faz às vezes de mesa de cabeceira. tomei o copo em três vultosos goles, não sem antes esticar braços e pernas, e checar todos os dedos em suas devidas posições. nenhum formigamento, uma coceira aceitável na raiz dos cabelos da nuca, e uma tensão no pescoço, lado direito. vai dar pra levantar.
me lembrei do sonho. minha mãe, parada defronte uma casa – devia ser nossa, embora eu tenha certeza de que não era. eu chegava tarde da noite, parava o carro, ela ali, plantada, os olhos tão inexpressivos que se me comunicavam. disse que não conseguia entrar na casa sem mim. eu a abraço, com cuidado, comoção e compaixão. pego sua mão, encaro a casa, nem piscamos.
me lembrei do sonho. minha mãe, parada defronte uma casa – devia ser nossa, embora eu tenha certeza de que não era. eu chegava tarde da noite, parava o carro, ela ali, plantada, os olhos tão inexpressivos que se me comunicavam. disse que não conseguia entrar na casa sem mim. eu a abraço, com cuidado, comoção e compaixão. pego sua mão, encaro a casa, nem piscamos.
Saturday, August 15, 2009
[ensaio - parte 1]
Este ensaio deve se localizar em qualquer lugar entre o drama poético e o jogo político. O que me move é puro interesse: nada além do despertar sensações no extremo positivo diametralmente oposto ao pólo da indiferença. Posso argumentar que o interesse me foi incutido a partir de experiências de vida – genuinamente minhas ou por mim reivindicadas, o que, no fundo, dá no mesmo –, ainda que a concretude da experiência seja transversal, secundária ou mesmo suspensa em momentos alguns – o que, novamente, dá no mesmo. Vou procurar, aqui, levantar algumas questões que me sugerem relações intensas entre si, mas cujas formulações [das relações] me têm sido particularmente difíceis. Este ensaio servirá como um aglutinador desses meus questionamentos, temáticas e problemáticas, como uma junção de anotações esparramadas em cadernos e permeadas por flechinhas e outros desenhos, na dificuldade de elaboração mais clara que permita uma comunicação. Vejamos quão bem-sucedido poderá ser meu intento – considerar-me-ei satisfeita se vislumbrar entendimentos e, no horizonte, futuros frutíferos para as discussões aqui delineadas.
A angústia primeira que me impele a escrever é a tensão entre ação e estrutura, entre o poder desistoricizante do provável e a potência criadora do possível, que esbarra, por sua vez, nos limites da própria história, quando não nos limites da imaginação. Quanto da imaginação é de fato desafiante? Ou, ainda, quanto é possível subverter estruturas a partir de ações, sejam elas individuais ou coletivas? Suspender expectativas é subverter estruturas? É possível subvertê-las individualmente? E em quê consiste essa subversão? No questionar o que se vive? No adquirir autonomia sobre si? Autonomia perante quem, ou o quê? Autonomia de pensamento, de ação? Mas aprendemos que as idéias não caem do céu... A autonomia só poderia ser, portanto, condicionada – o que nos remete novamente a limites: qual é o limite das condições? A questão entre expectativa e coerência no desenrolar de sua própria história individual se mescla com as limitações do livre-arbítrio e a vida em coletividades e sociedade. Por fim, há que se fazer a ressalva de que muitas divisões aqui feitas são metodológicas; no fundo, parece-me no mínimo purista desejar encontrar desejos genuínos, sem influência contextual – quer em níveis pessoais e privados (história de vida de cada um), quer em níveis sociais e históricos.
Há alguns eixos centrais de idéia: política, ação, magia, história. Tentarei começar pelo primeiro. Como se desperta meu interesse em discutir política? A partir de contradições experienciadas, escancaradas, pressupostas, veladas. A partir da aparente aceitação generalizada de injustiças, ou, pior, ao ver, ao meu redor, aceitação – desprovida de angústia – das contradições. A mim, a angústia vem da repetição incessante de mortos de fome no mundo inteiro, ao lado de crescentes avanços científicos na produção de alimentos. Vem da grande mídia, quando se noticiam guerras em termos de perda de ‘recursos humanos e econômicos’ – não necessariamente nessa ordem. Vem acompanhada de revolta quando uma amiga muito querida me relata como foi expulsa de um barzinho, numa sexta-feira à noite, após beijar a namorada. Quando, numa recente visita a uma ocupação do movimento de moradia, uma moradora de um prédio vizinho, de classe média, diz que ‘também tem dó’ daquelas pessoas, mas que elas ‘preferem ficar ali’, não merecem melhorar de vida, porque não batalham pra isso. A angústia é inversamente proporcional ao sucesso da comunicação, e, nesses momentos, tudo o que consigo é silêncio assimétrico, não compartilhado e sequer reconhecido como comunicação suprema.
A angústia primeira que me impele a escrever é a tensão entre ação e estrutura, entre o poder desistoricizante do provável e a potência criadora do possível, que esbarra, por sua vez, nos limites da própria história, quando não nos limites da imaginação. Quanto da imaginação é de fato desafiante? Ou, ainda, quanto é possível subverter estruturas a partir de ações, sejam elas individuais ou coletivas? Suspender expectativas é subverter estruturas? É possível subvertê-las individualmente? E em quê consiste essa subversão? No questionar o que se vive? No adquirir autonomia sobre si? Autonomia perante quem, ou o quê? Autonomia de pensamento, de ação? Mas aprendemos que as idéias não caem do céu... A autonomia só poderia ser, portanto, condicionada – o que nos remete novamente a limites: qual é o limite das condições? A questão entre expectativa e coerência no desenrolar de sua própria história individual se mescla com as limitações do livre-arbítrio e a vida em coletividades e sociedade. Por fim, há que se fazer a ressalva de que muitas divisões aqui feitas são metodológicas; no fundo, parece-me no mínimo purista desejar encontrar desejos genuínos, sem influência contextual – quer em níveis pessoais e privados (história de vida de cada um), quer em níveis sociais e históricos.
Há alguns eixos centrais de idéia: política, ação, magia, história. Tentarei começar pelo primeiro. Como se desperta meu interesse em discutir política? A partir de contradições experienciadas, escancaradas, pressupostas, veladas. A partir da aparente aceitação generalizada de injustiças, ou, pior, ao ver, ao meu redor, aceitação – desprovida de angústia – das contradições. A mim, a angústia vem da repetição incessante de mortos de fome no mundo inteiro, ao lado de crescentes avanços científicos na produção de alimentos. Vem da grande mídia, quando se noticiam guerras em termos de perda de ‘recursos humanos e econômicos’ – não necessariamente nessa ordem. Vem acompanhada de revolta quando uma amiga muito querida me relata como foi expulsa de um barzinho, numa sexta-feira à noite, após beijar a namorada. Quando, numa recente visita a uma ocupação do movimento de moradia, uma moradora de um prédio vizinho, de classe média, diz que ‘também tem dó’ daquelas pessoas, mas que elas ‘preferem ficar ali’, não merecem melhorar de vida, porque não batalham pra isso. A angústia é inversamente proporcional ao sucesso da comunicação, e, nesses momentos, tudo o que consigo é silêncio assimétrico, não compartilhado e sequer reconhecido como comunicação suprema.
Thursday, August 13, 2009
breve lucidez
não que ela não fosse vaidosa; remendava todas as calças suas com fazendas de cores de fundo harmonizando as vestes surradas, e nunca repetia um vestido dois domingos seguidos, fosse para andar na praça, ir à missa, ficar de viés no portão. e não que ela não tivesse seu charme; tinha uma beleza tão pueril e o rosto queimado do vento do outono e tinha também qualquer coisa de triste dessas mulheres cientes da sua dita condição. e das dores rotas ansiando por qualquer escancaro de alma que trouxesse alento. mas mesmo assim, ela se repetia. saía todas as noites, voltava às vezes mais cedo, às vezes depois de almoçar uns cigarros. esticava as meias rasgadas no mínimo três noites seguidas, às vezes ganhava uma nova. e mesmo assim, se repetia. alternava as sextas-feiras entre banco, correio e cemitério, nas todas comunicações e cumprimentos de expectativas. a missa era quase domingo sim outro não. na saída, aproveitava almoçar com a mãe, lavava toda a louça divertia a sobrinha já engatinhando. mas mesmo assim. repetia. solidão é para os fracos. e segunda-feira, ninguém sabe, café preto e a sorte na esquina.
Monday, August 10, 2009
cantigas de cabaré
o dia é chuvoso, e as pessoas, reclusas.
qual não é sua surpresa quando um amigo telefona; o jantar será acalanto.
qual não é sua surpresa quando um amigo telefona; o jantar será acalanto.
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