Saturday, February 27, 2010

seresta

um leve odor de gengibre e noz moscada, copos afastados, marcas liquorosas - os traços. sempre há cacos, espalhados, alguns ameaçam no chão. a música é toda novidade, e é novo também o beijo. é outro prazer, outra pele, outro orgasmo. amor novo, instiga e obriga a reconhecer outras cumplicidades e belezas. a entrega é entre a certeza e a descoberta. e o alívio pelo encantamento.

é que se eu cair em seus braços não há despertador que me faça levantar.

Saturday, February 20, 2010

"o que é fome"

com o perdão de uma possível piada, a fome é um tema latente pra mim. desde antes de entrar na faculdade de ciências sociais (que me seduziu no desejo também latente - e que hoje vagueia por caminhos esguios - de 'mudar o mundo'), a existência das pessoas que passavam fome e que morriam de fome me deixa consternada. e nessas cíclicas (e, com licença, latentes) tormentas, despertadas freqüentemente pelo noticiário, o mundo me doía.

mas até hoje nunca estudei sistematicamente 'o problema da fome'. li uma coisa ou outra do josué de castro; me arrependi por não ter cursado uma disciplina eletiva que trataria sobre o assunto... e hoje peguei nas mãos um livrinho de bolso, desses da coleção primeiros passos, da extinta (?) editora brasiliense: "O que é fome", de Ricardo Abramovay, hoje professor de economia na FEA/USP. vou escrever aqui um pouquinho sobre ele, e o assunto continuará.

O livro é curtinho, e dá pra ler muito rápido. Fiquei admirada com o modo como o autor organiza sua argumentação para desmascarar não só o supra-sumo do pensamento hegemônico travestido de senso comum que declara: "os pobres são culpados pela sua própria fome, porque não sabem se alimentar direito", mas também os argumentos cientificíssimos (digo, com respaldo na acadêmia e entre os cientistas da época), bio-geográficos (ou geofísicos?) - de que a alimentação nos trópicos é muito pobre em proteínas, ou, ainda, de que ela pode até ser suficientemente rica em proteínas, mas não atinge o nível mínimo de calorias para que as proteínas possam ser devidamente aproveitadas pelo organismo de cada mulher e de cada homem.

Esse último argumento (o argumento da chamada "fome calórica") corrobora a corrente malthusiana: se as calorias ingeridas não têm sido suficientes, é porque não há alimento suficiente no mundo. Porque o crescimento populacional seria da ordem de uma progressão geométrica (lembrei das aulas da minha querida professora de estatística, alô Verónica! - , de 2 para 4, para 8, para 16, para 32), enquando o desenvolvimento da produção agrícola seguiria um padrão de uma progressão aritmética (de 2 pra 4, para 6, para 8, para 10). Logo, salve-se quem puder!, logo logo não vai mais ter lugar pra todo mundo na Terra - neomalthusianos, meus caros, definam lugar, definam Terra, definam 'há lugar para todos hoje'.

Enfim, a real é que essa corrente de pensamento dominou inclusive as ciências até o começo dos anos 1960, e, bem, como métodos contraceptivos não eram exatamente bem-vindos, a solução era: controle populacional. N'outras palavras: guerra e crise. Porque nessas situações extra-ordinárias as pessoas morriam, e então, por mais paradoxal que isso possa parecer, a sobrevivência da espécie ficava garantida - tão natural quanto a mão invisível do mercado.

Por desencargo de consciência ou por um compromisso político maior com minhas verdades, vou pontuar aqui que o problema da fome não é um problema de produção de alimentos, nem da cultura alimentar de um determinado povo ou grupo social. O buraco é muito mais embaixo: falta distribuição. E não falta distribuição de alimentos por desorganização das autoridades, do Estado, ou do governo, ou por conta dos capatazes do campo que ainda têm suas próprias leis e são os senhores em seus territórios. Tampouco a distribuição é injusta por negligência ou falta de prioridade, nada disso, nada disso. As ações ou os braços cruzados por parte da governança nacional e internacional é interessada. Tem seus motivos por trás. E qual é o interesse maior que orquestra isso tudo? No próximo post vou comentar um texto do Josué de Castro, e aí veremos.

Thursday, February 18, 2010

'anda, rosa, vem me ver'

roupas espalhadas pelo chão não denunciam qualquer tranqüilidade d'alma. não, não. é a cinzura que se espalha pelo dia e minha ternura vadia que não encontra ocupação. tô por aqui. pode se achegar, que nem vai implodir a minha solidão. tanto cuidado é bobagem, me chama que eu vou num repique de águas claras, em corpo inteiro e mansidão.


imagem daqui

Tuesday, February 16, 2010

caso de carnaval

me encontra amanhã, virando a terceira esquina depois da última nuvem de chuva.

Monday, February 01, 2010

amador (ou "As horas nuas")

as últimas horas da tarde. o céu rodando em tonalidades por minuto. ainda é claro, e a lua, suavemente, intensifica sua presença entre azuis e alaranjados. num instante o laranja ainda solar cede ao brilho imponente, ainda que delicado, da lua quse-cheia.
respiro, olho, me calo, tento calar em pensamento. quero fotografar detalhes, fazer jus à riqueza. opto por fotografar na alma-coração, mantenho os olhos abertos e silencio também na visão. então sou toda a tarde que cai, sou eu toda a noitinha que vem.
o céu agora é nuvens cinzentas, o céu é todo ele de um azul cinzento, e também o mar escurece. mas nenhum dos cinzas é de tristeza, melancolia ou aflição. tampouco são acoplados de menos intensidade; não. são as horas vivamente sutis. a exatidão do olhar cambaleia, os corpos se movimentos com cuidado, leveza e desapercebida destreza.
são as horas das solidões profundas, dos suspiros sem desalento, e até dos encontros: é a hora mestra do amálgama entre lucidez e embriaguez, numa cúmplice e acolhedora meia-luz.

ps: o título entre aspas é referência ao livro homônimo de lygia fagundes telles, cuja leitura eu recomendíssimo - e que, embora não tenha sido referência pra esse meu escrito, foi por ele a mim lembrado, em sentimento.