com o perdão de uma possível piada, a fome é um tema latente pra mim. desde antes de entrar na faculdade de ciências sociais (que me seduziu no desejo também latente - e que hoje vagueia por caminhos esguios - de 'mudar o mundo'), a existência das pessoas que passavam fome e que morriam de fome me deixa consternada. e nessas cíclicas (e, com licença, latentes) tormentas, despertadas freqüentemente pelo noticiário, o mundo me doía.
mas até hoje nunca estudei sistematicamente 'o problema da fome'. li uma coisa ou outra do josué de castro; me arrependi por não ter cursado uma disciplina eletiva que trataria sobre o assunto... e hoje peguei nas mãos um livrinho de bolso, desses da coleção primeiros passos, da extinta (?) editora brasiliense: "O que é fome", de Ricardo Abramovay, hoje professor de economia na FEA/USP. vou escrever aqui um pouquinho sobre ele, e o assunto continuará.
O livro é curtinho, e dá pra ler muito rápido. Fiquei admirada com o modo como o autor organiza sua argumentação para desmascarar não só o supra-sumo do pensamento hegemônico travestido de senso comum que declara: "os pobres são culpados pela sua própria fome, porque não sabem se alimentar direito", mas também os argumentos cientificíssimos (digo, com respaldo na acadêmia e entre os cientistas da época), bio-geográficos (ou geofísicos?) - de que a alimentação nos trópicos é muito pobre em proteínas, ou, ainda, de que ela pode até ser suficientemente rica em proteínas, mas não atinge o nível mínimo de calorias para que as proteínas possam ser devidamente aproveitadas pelo organismo de cada mulher e de cada homem.
Esse último argumento (o argumento da chamada "fome calórica") corrobora a corrente malthusiana: se as calorias ingeridas não têm sido suficientes, é porque não há alimento suficiente no mundo. Porque o crescimento populacional seria da ordem de uma progressão geométrica (lembrei das aulas da minha querida professora de estatística, alô Verónica! - , de 2 para 4, para 8, para 16, para 32), enquando o desenvolvimento da produção agrícola seguiria um padrão de uma progressão aritmética (de 2 pra 4, para 6, para 8, para 10). Logo, salve-se quem puder!, logo logo não vai mais ter lugar pra todo mundo na Terra - neomalthusianos, meus caros, definam lugar, definam Terra, definam 'há lugar para todos hoje'.
Enfim, a real é que essa corrente de pensamento dominou inclusive as ciências até o começo dos anos 1960, e, bem, como métodos contraceptivos não eram exatamente bem-vindos, a solução era: controle populacional. N'outras palavras: guerra e crise. Porque nessas situações extra-ordinárias as pessoas morriam, e então, por mais paradoxal que isso possa parecer, a sobrevivência da espécie ficava garantida - tão natural quanto a mão invisível do mercado.
Por desencargo de consciência ou por um compromisso político maior com minhas verdades, vou pontuar aqui que o problema da fome não é um problema de produção de alimentos, nem da cultura alimentar de um determinado povo ou grupo social. O buraco é muito mais embaixo: falta distribuição. E não falta distribuição de alimentos por desorganização das autoridades, do Estado, ou do governo, ou por conta dos capatazes do campo que ainda têm suas próprias leis e são os senhores em seus territórios. Tampouco a distribuição é injusta por negligência ou falta de prioridade, nada disso, nada disso. As ações ou os braços cruzados por parte da governança nacional e internacional é interessada. Tem seus motivos por trás. E qual é o interesse maior que orquestra isso tudo? No próximo post vou comentar um texto do Josué de Castro, e aí veremos.
mas até hoje nunca estudei sistematicamente 'o problema da fome'. li uma coisa ou outra do josué de castro; me arrependi por não ter cursado uma disciplina eletiva que trataria sobre o assunto... e hoje peguei nas mãos um livrinho de bolso, desses da coleção primeiros passos, da extinta (?) editora brasiliense: "O que é fome", de Ricardo Abramovay, hoje professor de economia na FEA/USP. vou escrever aqui um pouquinho sobre ele, e o assunto continuará.
O livro é curtinho, e dá pra ler muito rápido. Fiquei admirada com o modo como o autor organiza sua argumentação para desmascarar não só o supra-sumo do pensamento hegemônico travestido de senso comum que declara: "os pobres são culpados pela sua própria fome, porque não sabem se alimentar direito", mas também os argumentos cientificíssimos (digo, com respaldo na acadêmia e entre os cientistas da época), bio-geográficos (ou geofísicos?) - de que a alimentação nos trópicos é muito pobre em proteínas, ou, ainda, de que ela pode até ser suficientemente rica em proteínas, mas não atinge o nível mínimo de calorias para que as proteínas possam ser devidamente aproveitadas pelo organismo de cada mulher e de cada homem.
Esse último argumento (o argumento da chamada "fome calórica") corrobora a corrente malthusiana: se as calorias ingeridas não têm sido suficientes, é porque não há alimento suficiente no mundo. Porque o crescimento populacional seria da ordem de uma progressão geométrica (lembrei das aulas da minha querida professora de estatística, alô Verónica! - , de 2 para 4, para 8, para 16, para 32), enquando o desenvolvimento da produção agrícola seguiria um padrão de uma progressão aritmética (de 2 pra 4, para 6, para 8, para 10). Logo, salve-se quem puder!, logo logo não vai mais ter lugar pra todo mundo na Terra - neomalthusianos, meus caros, definam lugar, definam Terra, definam 'há lugar para todos hoje'.
Enfim, a real é que essa corrente de pensamento dominou inclusive as ciências até o começo dos anos 1960, e, bem, como métodos contraceptivos não eram exatamente bem-vindos, a solução era: controle populacional. N'outras palavras: guerra e crise. Porque nessas situações extra-ordinárias as pessoas morriam, e então, por mais paradoxal que isso possa parecer, a sobrevivência da espécie ficava garantida - tão natural quanto a mão invisível do mercado.
Por desencargo de consciência ou por um compromisso político maior com minhas verdades, vou pontuar aqui que o problema da fome não é um problema de produção de alimentos, nem da cultura alimentar de um determinado povo ou grupo social. O buraco é muito mais embaixo: falta distribuição. E não falta distribuição de alimentos por desorganização das autoridades, do Estado, ou do governo, ou por conta dos capatazes do campo que ainda têm suas próprias leis e são os senhores em seus territórios. Tampouco a distribuição é injusta por negligência ou falta de prioridade, nada disso, nada disso. As ações ou os braços cruzados por parte da governança nacional e internacional é interessada. Tem seus motivos por trás. E qual é o interesse maior que orquestra isso tudo? No próximo post vou comentar um texto do Josué de Castro, e aí veremos.
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