Enquanto passeava os olhos pelas linhas que, vez ou outra, diziam-lhe do mal do mundo e do afã humano da infelicidade, sentia seu corpo escorregando pelo banco frio. À medida em que seu corpo ia cedendo ao cansaço e tomado pela baixa temperatura exterior, crescia em si o desejo de alimentar-se intelectualmente. Crescia a ânsia pela mudança, a utopia de viver em um mundo diferente, com muitas cores, algumas certezas – diferentes das correntes – e outros segredos a serem desvendados. Um mundo repleto de sons, campos e possibilidades. Um mundo onde cada ser humano vivesse como tal e tivesse consciência disso. Onde a vida não fosse subjulgada por armas de fogo, por poder, pela violência ou por um corte de cabelo. Onde as vidas fossem contempladas pela vivência plena, e não – como são – sobrevidas (a partir da vivência do essencial, apenas – ou, às vezes, magicamente, nem isso).
Não que a plenitude signifique felicidade; o afã pela felicidade a qualquer custo, como é hoje tão concorrentemente disseminado, era outro ponto a ser desconstruído: que os sentimentos encontrassem, nos humanos, lealdade. Que a tristeza, a melancolia, a ansiedade, as frustrações fossem sentidas, e tivessem autoridade e aval para a entrega.
Retomada a consciência corporal, via estrelas à sua frente; seu corpo horizontal, integrante do banco, tornava-se insensível ao frio – (ou) unia-se a ele. A sensação submetia-se ao sentimento, e o entender o corpo não era mais sinônimo de sanidade.
2 comments:
Perder algumas certezas é consequência de enxergar longe... talvez aquele que vê um pedaço do infinito estranhe a falta de formas e referências claras.
Certezas pra quê? Pra agarrarmos nelas como se nos impedissem de sofrer, ou para justificar nossos erros e impedir que nossa dor e nossos vazios nos façam crescer?
Sai desse banco gelado que te ataca a rinite também, viu.
Beijos!
Gustavo
Esqueci...
O início da narrativa é idêntico ao final do "Quem Somos Nós".
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