Monday, September 24, 2007

alô, Tião! 68?! Foste? Fui!

- Ô Tião!
- Oi?!
- Foste?
- Fui!
- Compraste?
- Comprei!
- Pagaste?
- Paguei!
- Me diz quanto foi.
- Foi quinhentos réis...

(Gilberto Gil)


A razão jamais dirigiu verdadeiramente a realidade social, mas hoje está tão completamente expurgada de quaisquer tendências ou preferências específicas que renunciou, por fim, até mesmo à tarefa de julgar as ações e o modo de vida do homem. Entregou-os à sanção suprema dos interesses em conflito aos quais nosso mundo parece estar realmente abandonado. (Horkheimer)


Escrevo estas linhas em setembro de 2007. Quase 40 anos desde o ano de 1968. Mil novecentos e sessenta e oito. Foi um ano de agitações, de questionamentos, de elaborações de idéias e de projeto de sociedade insaciáveis. No Brasil, quatro anos após o golpe militar, o ano de 68 foi despejar nas cabeças dos milicos que a ditadura e a repressão era o que os estudantes não queriam. Não estavam contra a ordem a priori, ou per si. Queriam viver, transformar, revolucionar, fazer história – sem esquecer seus mortos. Tomaram contato com Marcuse, Benjamin, Simone de Beauvoir, Sartre e Althusser. Politizava-se tudo: o sexo, as festas, o amor, a liberdade – tão almejada e reivindicada – e a própria política. A politização da política, a argumentação embasada, a experimentação de limites.


E não é porque os jovens foram os protagonistas desse ano – que, segundo o título do livro de Zuenir Ventura, é O ano que não terminou – que essa ânsia pela mudança deve ser considerada natural da juventude. O Brasil viveu o golpe de 1964 e a instauração de sua sui generis ditadura, que funcionou com o Congresso não-esfacelado (ou menos institucionalmente) durante um bom tempo; a cultura beat influenciava padrões comportamentais, bem como desafiava qualquer discurso moral o advento das mini-saias. E a influência do estrangeiro não se deu de mão única. A Tropicália[1] de Gil e Caetano buscou re-significar aquilo que vinha de outro continente e invaida a música brasileira – invasão que alguns chamavam de influência e outros, de imperialismo –, aliando às guitarras elétricas a sonoridade brasileira. A esquerda ortodoxa condenou tal atitude, e a falsa dicotomia criada entre a Bossa Nova e a Tropicália – reproduzindo, aliás, as taxações maniqueístas da época, comuns dentro da esquerda, como revolucionário ou reformista; povo organizado ou povo armado – contribuiu para a ira de Caetano, que foi vaiado ao entoar o que seria atribuído a posteriori como símbolo da geração de 68: o hino É proibido proibir. Sua resposta às vaias? “Se as idéias que vocês têm em política são as mesmas que vocês têm em estética, estamos feitos!”


E enquanto a esquerda se degladiava internamente (qualquer semelhança com o movimento estudantil de hoje é mera coincidência?), buscava a unidade contra aquilo que elegeram como inimigo comum: a ditadura e o imperialismo. À parte as diferentes interpretações e sutilezas (ou não) do imperialismo, como dito no parágrafo interior, faltavam coesão e estratégias conjuntas. Pensar a política como a arte da estratégia parecia ser pouco visceral, limitado demais para os estudantes, artistas e até mesmo intelectuais que, quando se tratavam de limites, preferiam a radicalidade à racionalidade – talvez o eclipse da razão, para usar o termo de Horkheimer, formasse também um maniqueísmo simplificado: as condições subjetivas para a revolução, a contemporaneidade de Fidel Castro, Mao e Che facilitavam a crença na vontade e a negligência – nem sempre velada – à razão. Ser radical é tomar as coisas pela raiz. O problema era a confusão de qual era e onde estava a raiz. A raiz era o povo brasileiro? O conceito vazio de nação? A cultura internacional era uma afronta às nossas raízes? Se “a raiz é o próprio homem”[2], há essencialmente um substrato comum que engendra a humanidade?


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Notas


[1] Assim como Augusto de Campos, prefiro falar em Tropicália no lugar de Tropicalismo. O sufixo “ismo” denota, das duas, uma: caráter pejorativo ou historicidade. E, apesar de não deixar de enxergar a Tropicália com historicidade, seus integrantes preferiam dizer que estavam fazendo nascer, conscientemente, o novo. Atribuir à Tropicália uma temporalidade é algo que eles não desejavam; limitar, ainda que no espaço-tempo, é confinar e restringir. (ver CAMPOS, Augusto de. É proibido proibir os baianos, 1968. In: CAMPOS, Augusto de, Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1978.)

[2] MARX, Karl.

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Eu devia escrever "continua", mas não sei, não. Talvez to be continued.

4 comments:

Gustavo Barcamor said...

Quisera eu ter rudimentos pra conseguir entender uma lhufa do que escreveu...

Mas lendo parece ser um texto muito bom!

Nowhere Man said...

Continua! Continua!

"Ser radical é tomar as coisas pela raiz. O problema era a confusão de qual era e onde estava a raiz. A raiz era o povo brasileiro? O conceito vazio de nação? A cultura internacional era uma afronta às nossas raízes? Se “a raiz é o próprio homem”[2], há essencialmente um substrato comum que engendra a humanidade?"


Continua que daí sai coisa boa!

Lembranças said...

É bem interessante isso que você fala de quando o Gil e o Caetano começam a romper esteticamente ( filosoficamente?) com a Bossa Nova e a assimilar elementos do Rock e da Jovem Guarda, colocando as guitarras eletrícas emprestada deles, eles vejam voltar-se contra eles toda essa carga de polaridade com o rock e a jovem guarda que partia do movimento que eles estavam inseridos até, então, pouco tempo e dai repensem a posição anterior deles dos tempos de Salvador.

Lembranças said...

Ou será que apesar deles estarem no meio eles nunca tenham compartilhado dessa polaridade?