Eu gosto muito quando, no meio de uma conversa com alguém, consigo obter um esclarecimento pra mim mesma de algo referente à minha vida, minha história de vida, meu momento presente, minha personalidade ou alguma coisa que paira ou se transporta entre essas categorias e o que elas sugerem.
Ontem vivi uma experiência desse tipo. Eu não costumo fazer deste blog um diário explícito, expressamente. Mas acho que hoje o post vai caminhar pra isso. Até porque, se forma e conteúdo não se dissociam e o como dizer importa tanto quanto o o quê dizer, um post um pouco mais intimista e ativo na construção de laço expresso entre o escritor e o leitor vem a calhar.
Pois bem, quando acreditamos ou sentimos que estamos entrando numa fase de crise (ressalva aos que se dizem sempre em crise: me refiro a uma crise específica), é de engrandecer perceber como essa fase se liga com seu passado, sua formação, seu ser.
Como a gente faz quando se percebe preso, e quando não nota mais nenhuma possibilidade de ação ao seu redor? Nenhuma possibilidade de ação que expresse - por corpo, alma, letras, canções, conversas! - uma forma de pensamento e de organização de mundo alternativa. Explico: depois de entrar com contato com uma relativa gama de organizações, instituições, movimentos sociais, partidos políticos, grupos de discussão, coletivos de ação direta etc., que têm (ou dizem ter) em comum uma visão de mundo alternativa à dominante (ou seja, alternativa à instrumentalizada, à que se regula pela análise calculista do custo-benefício), vejo que as práticas de tais grupos, quando analisadas a fundo, levadas ao extremo ou simplesmente entendidas e internalizadas, não propõem outra forma de pensamento que não essa do cálculo custo-benefício, que acabei de explicitar. Ora, se forma e conteúdo são indissociáveis, o não-abandono do pensamento puramente estratégico não te coloca em nível diferente do seu oposto só porque 'seu fim é mais nobre que o do Outro'. Ou, para não me restringir a juízos de valor (do tipo 'mais nobre que'), posso formular da seguinte maneira: ainda que o conteúdo seja radicalmente diferente, se a forma através da qual este conteúdo é aplicado - ou, ainda, a própria noção de necessidade de aplicabilidade do conteúdo - esvaziam a proposta 'alternativa', 'revolucionária', ou o nome que vocês quiserem dar a isso.
Digressões à parte, o imobilismo ou a inação me angustiam. Angustiam porque - e isso foi o que descobri ontem, numa performance fantástica - durante minha adolescência, minhas maiores angústias diziam respeito à impotência. Os problemas que me vinham chegavam prontos, e eu não percebia nem vivia seus surgimentos, suas formações. O que me restava era o aguardo do curso da vida para resolvê-los ou sedimentá-los, em dimensões processuais muito lentas - o que faz sofrer muito a qualquer um disposto a questionar origens, causas e conseqüências.
Deixando um pouco de lado a dimensão psicológica e a 'sessão terapia', a questão da qual trato hoje, incessantemente, é se é possível à política e à vida transcender a dimensão meramente estratégica.
Penso 'política' como relações de poder. Imbuídas, sempre, de referenciais simbólicos, de significações. É possível um mundo onde as relações de poder se horizontalizem? Em que cada ser humano possa desenvolver suas potencialidades e realizar seus desejos à sua maneira? É claro que é possível política sem opressão. Mas a limitação da dimensão estratégica ainda me parece longe de ser superada.
Não prego, de modo algum, o abandono do pensamento estratégico. Tampouco o abandono da técnica, das reproduções, daquilo que alguns chamam de massificação e a minha pitada de otimismo quer defender como democratização. Quero é ver a criatura se rebelar contra o criador.
As coisas que escrevi aqui estão longe de estarem esgotadas. Pelo contrário! São indicações de algumas temáticas que estarão e estão por detrás do meu discurso nos últimos e próximos tempos.
E, pra finalizar, música bonita:
Your multilingual business friend
has packed her bags and fled
leaving only ash-filled ashtrays
and the lipsticked unmade bed.
The mirror on reflection
has climbed back upon the wall
for the floor she found descended
and the ceiling was too tall,
Your trouser cuffs are dirty
and your shoes are laced up wrong.
You'd better take off your homburg
'cause your overcoat is too long.
The town clock in the market square
stands waiting for the hour
when its hands they both turn backwards
and on meeting will devour
both themselves and also any fool
who dares to tell the time.
And the sun and moon will shatter
And the signposts cease to sign.
Procol Harum - Homburg
4 comments:
Nossa... acho que seu diário não deve ser cor-de-rosa, e nem ter muitos coraçõezinhos. (-:
Não entendi muito bem, o assunto me escapa, e sou menos politizado que um pé de alface.
Acho que os problemas vêm mais pra nos resolverem que pra serem resolvidos.
Beijos.
palmeirense calhorda!
acho que eu vou miguelar o patê de tofu... e olha que eu tenho um tofu novinho na geladeira!
Mlle Polaris,
me interesso enormemente pelo assunto. E lembrei de um texto que li essa semana de um povo de londres, que é uma reflexão sobre alguns dilemas do que eu acho que é aminha geração política - uma espécie de elite enfadada que aqui nos trópicos e principalmente na europa e nos estados unidos - inventou uma coisa chamada movimento anti-globalização pra responder a inquietações do tipo dessa que você formula.
http://www.turbulence.org.uk/moveintothelight_port.html
Essa coisa maluca que inventou-se tinha um lema meio surrealista, um enunciado mágico -"Estamos vencendo!", por isso é que eles falam disso no texto. e tinha outras nóias: mudar o mundo sem tomar o poder, não se reconcialiar com o estado, não ser absorvido pelo mercado... etc, etc.
Eu acho o texto ainda muitoeuropeu, e acho que lá na europa eles estão mais perdidos do que nós (embora como sempre achem que estão mais perto da luz, como você poderá notar). A parte mais interessante do texto é "E se houver um novo ciclo de lutas e não formos convidados?" - porque acho que atualmente ninguém tem muito motivo pra nos convidar mesmo - nós que vivemos aqui em nossas microeuropas.
Bom tudo isso pra dizer: entendo perfeitamente, e a crise como você bem diz, é crise mesmo, gostei da observação, não essa coisa pós histórica de estar em crise o tempo todo.
beijo, j.
http://www.turbulence.org.uk/moveintothelight_port.html
o lingue
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