Pois bem. O desejo vingou; tinha eu agora que fazer a minha parte do combinado.
Compareci e participei, no meu entendimento, de maneira bem ativa das missas: prestei atenção nas leituras e refleti sobre elas, bem como nos temidos sermões – as homilias, que, pra ser sincera, se pareciam intermináveis há dez anos atrás, hoje desejei que fossem mais longas, na esperança de alcançar profundidade –, ponderei sobre o tema da campanha da Fraternidade, arrisquei a entoar os cantos (alguns são os mesmos desde minha meninice, de quando fazia catequese). Já que ia dar uma de pagadora de promessas, que o momento servisse para reflexões pessoais sobre as minhas espiritualidades. Parecia fazer sentido atentar praquele mundo cristão, mais especificamente católico, com o qual eu tenho mantido uma relação oscilante, de afastamento – por discordâncias quanto a posturas na vida, valores e práticas – e aproximação – por desejo de fé – nos últimos anos. Fazia sentido mergulhar naquilo, e ver se podia ser algum lugar meu, também.
Acontece que a falta de profundidade nos sermões; as inexistentes problematizações acerca dos conceitos que compõem o lema da campanha da Fraternidade – a saber, paz, justiça e segurança pública –, as inexistentes respostas para minhas dúvidas tanto cerimoniais/rituais como cosmológicas/histórico-mitológicas e incongruências entre minha vida e algumas idéias genericamente denominadas como católicas, tudo isso me fez perceber que aquele lugar, o lugar da Igreja, não era meu. Não era meu e eu não desejava compartilhá-lo. O pagamento da promessa estava mesmo se transformando em sofrimento – elemento fundamental da vida terrena, segundo a doutrina cristã.
E então comecei a questionar o porquê da minha promessa. Ou melhor, o porquê da penitência elencada por mim ter sido comparecer a/participar da missa. Elaborei a seguinte hipótese: a penitência já estava imbricada do desejo, à época (re)aflorando, de reaproximação minha do universo espiritual, e a igreja e a missa foram os primeiros locus que me vieram à mente para empreender isso àquelas circunstâncias, inclusive porque desconhecia (e desconheço) outras espiritualidades que tenham mecanismos de troca como a promessa e sua penitência.
Além disso, a promessa já tinha sido feita, e a dádiva, obtida (ou a graça alcançada, como se diz), então eu não podia simplesmente abandonar a parte que me cabia no pacto aparentemente determinado exclusivamente por mim – afinal, eu é que propus a ida à missa durante os domingos da quaresma como penitência. Porque, uma vez tendo recorrido à estratégia/ao exercício da promessa como esperança ou acalanto, só cabia a mim olhar para esse evento de acordo com sua lógica interna. Não parece cabível desencanar de pagar a promessa porque a penitência não faz mais sentido; ela faz sentido justamente porque é penitência, ainda que como ação isolada seja esvaziada de sentido, pra mim. Em termos concretos: eu já teria parado de ir à missa aos domingos, não fosse para pagar a dita-cuja da promessa já feita.
Resta aproveitar o tempo que me resta de cumprimento da penitência para pensar qual pode ser o locus do meu contato mais íntimo e desenvolvimento das minhas espiritualidades. Tem uma conclusão bonita que posso tirar dessa história: que não me foi possível instrumentalizar a penitência (ainda que instrumentalizar, aqui, tivesse um sentido positivo e otimista: minha imersão individual no meu lado espiritual). Uma vez definida para cumprir a função que fez sentido dentro de uma lógica específica (a da estrutura/dádiva/dívida – promessa/graça/penitência) não me foi possível retirar um dos elementos (a penitência) dessa tríade pra realocá-lo num contexto em que ele, sozinho, deveria tornar-se sujeito/objeto de outra missão (minha incursão pela minha espiritualidade). Se isso desse certo, teria sido bonito, de qualquer, jeito. Não deu, então pelo menos teoricamente, continua sendo bonito; afinal de contas, sempre fui defensora ferrenha da não-separação entre semântica e pragmática, e da não-dissolução dos laços semânticos e pragmáticos entre elementos de uma determinada formaconteúdo de pensamentoação. É, no fim das contas, eu devo ser uma conservadora - pagã.