Tuesday, December 14, 2010

uma elaboração de sentires

cada vez que eu tomo um banho, sinto os cheiros de costume, eu me lembro de você. a sua ausência durou o tempo exato de um pote de condicionador. o tempo exato de experimentar outra regularidade, outro cheiro. outra reação e um diferente caimento dos meus cabelos depois de banhos extraordinários. com outros ritmos, outros cheiros, outras aflições e um risco diferente marcando o vapor no espelho.

quando eu era criança, acumulava desenhos nos espelhos e nos vidros embaçados. no banheiro, depois do banho, e dentro do carro, quando chovia. eu sempre percebia que os desenhos nunca sumiam. a marca leve de cada um voltava com o novo embaçado, e eu, temperamental, oscilava sempre entre reforçar os traços muitíssimo bem-acabados ou dedicar-me a novas expressões.

hoje meu banheiro guarda em relicário um mosaico. traços que se justapõem, às vezes se sobrepõem, algumas vezes uma emenda faz surgir um novo desenho que eu só reparo muito tempo depois. me orgulho do meu mosaico; se há desbotamentos, superposições, desrespeitos estéticos e repetições, sei que tudo aparentemente opaco e embaraçado tem seu lugar, e são esses lugares os mais nobres. todos, cada um. há quem diga que é impressionista demais, esse meu mosaico, que só a mim me diz respeito e pouco comunica ao mundo. pode ser. me delicio em saber da minha história, e só eu, e só dela.

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