ela saiu para o trabalho não sem antes carregar na maquiagem um pouco mais do que o costume. pela noite indormida, o corpo já começava a pedir descanso antes das oito da manhã. um banho ora quente ora frio servira para dar realce e acalmar um pouco os hematomas recentes (a água sempre traz as dores pra superfície do corpo, e um roxo se espalhando na pele permite maquiar de dor-de-pancada o choro de sufoco, humilhação e desespero). antes de sair, passou café e alisou a gola daquele colarinho, a camisa impecável num cabide pendurado no puxador do guarda-roupas. tomou uma xícara que caiu de golpe no estômago em jejum. é que se maltratar também é bom, às vezes, quando a encruzilhada inexiste e ser cúmplice na agressão é a única possibilidade. saiu sem dizer palavra; ele folheava o jornal sem reclamar do café forte, a camisa agora ainda semi-abotoada. quando girou a chave já do lado de fora do apartamento, cravou fundo a unha do indicador direito nas costas da mão esquerda: a marca não a deixaria esquecer de pegar as roupas na lavanderia depois do expediente. sentiu o café revirar no estômago, enquanto descia as escadas do prédio: dali dois dias seriam anfitriões no jantar anual da família, e ela sequer tinha pensado no quê servir como entrada. tateou a bolsa, abriu o carro, revirou a pasta com as anotações para a reunião de apresentação dos primeiros resultados que presidiria assim que vencesse o trânsito da cidade. digitou 'bom dia. amo você' no celular, enviou pra filha que mora longe, e deu a partida.
imagem daqui
1 comment:
Gostei.
Só pra você lembrar:
prosaemmovimento.blogspot.com
Abraço
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