Lição de esperança, igualmente, o modo como os Achuar vivenciam a sua identidade coletiva sem se embaraçarem com uma consciência nacional. Ao contrário do movimento histórico e ideológico de emancipação dos povos que, a partir do final do século XVIII na Europa, quis basear as reivindicações de autonomia política apenas no compartilhamento de uma mesma tradição cultural ou lingüística, os Jivaro não concebem sua etnicidade como um catálogo de traços distintivos que dariam substância e eternidade a um destino compartilhado. Sua vida comunitária não se justifica pela língua, pela religião ou pelo passado, nem sequer pela ligação mística com um território encarregado de encarnar todos os valores instituindo sua singularidade. Ela se alimenta de um mesmo modo de vivenciar o vínculo social e a relação com os povos vizinhos, às vezes sangrento, decerto, em sua expressão cotidiana, não pelo banimento do outro na desumanidade, mas por uma consciência aguda de que ele, quer seja amigo ou inimigo, é necessário para a perpetuação do eu. Os Achuar me ofereciam assim a demonstração a contrario de que os nacionalismos étnicos, em toda a eventual barbárie de suas manifestações, são menos uma herança das sociedades pré-modernas do que um efeito de contaminação de antigos modos de organização comunitária pelas modernas doutrinas da hegemonia estatal. O que a história fez ela pode desfazer, prova de que o tribalismo das nações contemporâneas não é uma fatalidade e que a nossa atual maneira de representar a diferença através da exclusão talvez possa algum dia dar lugar a uma sociabilidade mais fraterna. (Descola, As lanças do crepúsculo, 2006, pp. 459-460)
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