eu moro num país onde as pessoas morrem
de fome
de tiro à queima-roupa
de amores e ciúme
de acidente de trânsito
nunca ninguém morreu de fome nos meus braços.
soube de quem morreu depois de jogar futebol;
antes de nascer;
vi quem morreu de desistência do corpo
e de surpresa, também
vi quem morreu despencando
e vi corpos bonitos de mortos serenos
eu vi quem nasceu cabeluda do ventre da viúva
e quem renasceu encovada de força antes dos trinta
eu li cantos sobre cabelos de suicidas no rio,
esculachos quaisquer de poetas sobre o verdejar desses fios
mas antes disso
eu fui à missa de sétimo dia de uma suicida
que me sorria sempre quando confidenciávamos amores errados
e ainda antes disso
eu perdi a voz em batalhas esganiçadas
e me amarraram por qualquer descrença e me deturparam
a voz e a força e o delinear
e então sem me dar conta
eu passei a freqüentar igrejas e velórios
a sorrir mais, conversar com anjos
e ler notícias no jornal sobre gente na rua
com fome
com sangue e com morte
insistências fronteiriças
nos nossos países.