Friday, December 07, 2007
- Que lindo que é sonhar
A respiração ofegante, os cabelos bagunçando qualquer resquício de sensatez. A névoa enebriante dos olhos marejados, da neblina ou do cigarro, não saberia dizer.
Começou a desfiar teorias e contentamentos vários, a porta entreaberta e olhares cuidadosos.
O sonho faz a porta de papel, e a pele de metal - a carne que arde. Alma flutua, voa leve, rasante, pá(i)ra.
Não, não são paixões contadas em narrativas intimistas nem sopro de vida. Torna-se alva a solidez destemida, calafrios e arvoredos. E braços, uns poucos braços.
Thursday, November 29, 2007
Caminhos tortos (mortos?)
BENJAMIN, W. Sobre o conceito da História. In: Walter Benjamin - Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Sunday, October 28, 2007
Saturday, October 20, 2007
Chorinho
E a mãe a ninou, antes de sair pé ante pé enfrentar os ventos e brisas de ares tão bem explorados e conhecidos, embora ironicamente negligenciados.
Tuesday, October 16, 2007
Tuesday, October 09, 2007
Resposta do sambista (ou pedantismo intelectual)
(mas não me altere o samba tanto assim).
Wednesday, October 03, 2007
É samba que eles querem e nada mais (Homenagem ao samba)
Tuesday, September 25, 2007
Choque
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro possam estar
por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque,
um batuque com a pureza de meninos uniformizados
De escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém
Ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do Pelô
E se você não for
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui.
(Gilberto Gil)
Acabo de assistir a um vídeo que mostra a brutalidade a ação arbitrária da polícia norte-americana. Um estudante, ao fazer uma fala durante um evento com a presença do senador John Kerry, é interrompido pela polícia, agredido pela polícia e leva um choque elétrico da polícia. O porquê da interrupção? Segundo o comentário de alguém que assistiu ao vídeo e quis deixar sua opinião aos internautas:
This is hilarious. It's hilarious because people actually see this as police brutality. It isn't. It's also hilarious because the dumbass kept asking "what did I do? What did I do?" Let me enlighten you then dumbass:
Não sei dizer quais foram as perguntas que o estudante fez, mas num país que se vangloria de sua democracia pluralista, das iguais oportunidades que dá a todos e que assegura a todos os cidadãos, em sua Constituição, a “busca pela felicidade”, é possível que hajam perguntas que não possam ser feitas?
Ah, sim, é o mesmo país que comanda invasões em outros países alegando levar a tocha dourada e flamejante da democracia, enquanto seus soldados estupram mulheres e crianças na linha de fogo criada no Iraque. É o mesmo país que diz “lutar contra o terrorismo” e barra a entrada de muçulmanos em seus aeroportos. E barra mexicanos e brasileiros em suas fronteiras. O mesmo país que teve ônibus em que brancos se sentavam na frente e negros, atrás.
É, fundamentalmente, o país que se vangloria de respeitar, esticar e promover as liberdades individuais para seus cidadãos. Seus cidadãos? Aqueles brancos ricos que trabalhavam no World Trade Center e que também tiveram suas famílias destruídas no que chamaram de “ato terrorista de 11 de setembro”? Minimamente, a política norte-americana não consegue mais conter e sufocar os absurdos, e as desumanidades; a contradição entre o capital (a lógica do capital) e a vida humana extravasa os limites que – sendo otimista – qualquer chefe de Estado poderia prever.
Especulando. A polícia poderia alegar “perturbação da ordem” ou “desrespeito à nação”. “Nação”, este conceito vazio, cuja alegação de defesa serve para apaziguar e eufemizar violências e crimes cometidos inclusive à luz do dia numa universidade bem-conceituada do país. Lembro o recente massacre ocorrido recentemente numa universidade tecnológica norte-americana, também, quando um estudante atirou e matou vários colegas e depois também se matou.
Não podemos culpar este estudante, tampouco os policiais arbitrários. Tampouco a “burguesia” ou os “filhinhos de papai”. Fato é que nos é dada uma realidade imediata, na qual as relações entre pessoas são de plástico e tão “coisais” como a relação entre um controle remoto e a televisão. Inversamente, as coisas passam a ter vida própria: o carro novo nos dá alegria, o CD de jazz nos dá prazer. Estamos todos – trabalhadores, burgueses, classe média, operário, capitalista, funcionário público, estudante; utilize a nomenclatura e a categorização que quiser – submetidos a essa lógica de coisificar relações, tratá-las como coisas e nos subordinarmos às mercadorias. Cada um de nós, porém, apreende a realidade da maneira como ela nos é colocada. É como se existisse, objetivamente, uma só realidade; mas as percepções dela variassem de acordo com a localização da pessoa na estrutura social, ou na rede de relações, ou na esfera da produção, ou no papel religioso que essa pessoa possui, enfim. “A polícia”, como categoria social, cumpre sua parte no processo muito mais amplo de subordinar à idéia vazia de nação e à violência, a vida humana.
No país que lidera a consolidação do capitalismo global, não é difícil esperar uma atitude dessas. Mas que choca – com o perdão do trocadilho –, choca.
Monday, September 24, 2007
alô, Tião! 68?! Foste? Fui!
- Ô Tião!
- Oi?!
- Foste?
- Fui!
- Compraste?
- Comprei!
- Pagaste?
- Paguei!
- Me diz quanto foi.
- Foi quinhentos réis...
(Gilberto Gil)
A razão jamais dirigiu verdadeiramente a realidade social, mas hoje está tão completamente expurgada de quaisquer tendências ou preferências específicas que renunciou, por fim, até mesmo à tarefa de julgar as ações e o modo de vida do homem. Entregou-os à sanção suprema dos interesses em conflito aos quais nosso mundo parece estar realmente abandonado. (Horkheimer)
Escrevo estas linhas em setembro de 2007. Quase 40 anos desde o ano de 1968. Mil novecentos e sessenta e oito. Foi um ano de agitações, de questionamentos, de elaborações de idéias e de projeto de sociedade insaciáveis. No Brasil, quatro anos após o golpe militar, o ano de 68 foi despejar nas cabeças dos milicos que a ditadura e a repressão era o que os estudantes não queriam. Não estavam contra a ordem a priori, ou per si. Queriam viver, transformar, revolucionar, fazer história – sem esquecer seus mortos. Tomaram contato com Marcuse, Benjamin, Simone de Beauvoir, Sartre e Althusser. Politizava-se tudo: o sexo, as festas, o amor, a liberdade – tão almejada e reivindicada – e a própria política. A politização da política, a argumentação embasada, a experimentação de limites.
E não é porque os jovens foram os protagonistas desse ano – que, segundo o título do livro de Zuenir Ventura, é O ano que não terminou – que essa ânsia pela mudança deve ser considerada natural da juventude. O Brasil viveu o golpe de 1964 e a instauração de sua sui generis ditadura, que funcionou com o Congresso não-esfacelado (ou menos institucionalmente) durante um bom tempo; a cultura beat influenciava padrões comportamentais, bem como desafiava qualquer discurso moral o advento das mini-saias. E a influência do estrangeiro não se deu de mão única. A Tropicália[1] de Gil e Caetano buscou re-significar aquilo que vinha de outro continente e invaida a música brasileira – invasão que alguns chamavam de influência e outros, de imperialismo –, aliando às guitarras elétricas a sonoridade brasileira. A esquerda ortodoxa condenou tal atitude, e a falsa dicotomia criada entre a Bossa Nova e a Tropicália – reproduzindo, aliás, as taxações maniqueístas da época, comuns dentro da esquerda, como revolucionário ou reformista; povo organizado ou povo armado – contribuiu para a ira de Caetano, que foi vaiado ao entoar o que seria atribuído a posteriori como símbolo da geração de 68: o hino É proibido proibir. Sua resposta às vaias? “Se as idéias que vocês têm em política são as mesmas que vocês têm em estética, estamos feitos!”
E enquanto a esquerda se degladiava internamente (qualquer semelhança com o movimento estudantil de hoje é mera coincidência?), buscava a unidade contra aquilo que elegeram como inimigo comum: a ditadura e o imperialismo. À parte as diferentes interpretações e sutilezas (ou não) do imperialismo, como dito no parágrafo interior, faltavam coesão e estratégias conjuntas. Pensar a política como a arte da estratégia parecia ser pouco visceral, limitado demais para os estudantes, artistas e até mesmo intelectuais que, quando se tratavam de limites, preferiam a radicalidade à racionalidade – talvez o eclipse da razão, para usar o termo de Horkheimer, formasse também um maniqueísmo simplificado: as condições subjetivas para a revolução, a contemporaneidade de Fidel Castro, Mao e Che facilitavam a crença na vontade e a negligência – nem sempre velada – à razão. Ser radical é tomar as coisas pela raiz. O problema era a confusão de qual era e onde estava a raiz. A raiz era o povo brasileiro? O conceito vazio de nação? A cultura internacional era uma afronta às nossas raízes? Se “a raiz é o próprio homem”[2], há essencialmente um substrato comum que engendra a humanidade?
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Notas
[1] Assim como Augusto de Campos, prefiro falar em Tropicália no lugar de Tropicalismo. O sufixo “ismo” denota, das duas, uma: caráter pejorativo ou historicidade. E, apesar de não deixar de enxergar a Tropicália com historicidade, seus integrantes preferiam dizer que estavam fazendo nascer, conscientemente, o novo. Atribuir à Tropicália uma temporalidade é algo que eles não desejavam; limitar, ainda que no espaço-tempo, é confinar e restringir. (ver CAMPOS, Augusto de. É proibido proibir os baianos, 1968. In: CAMPOS, Augusto de, Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1978.)
[2] MARX, Karl.
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Eu devia escrever "continua", mas não sei, não. Talvez to be continued.
Saturday, September 15, 2007
Tá lá o corpo estendido no chão...
Passa o tempo. Pode ter sido numa tarde de sábado, também, nem tão bucólica como aquelas. Caíram nas mãos da menina algumas palavras que lhe tiraram o chão. Fulana, poesia, marxismo, desejo, mar e violão.
O corpo estendido no chão tornou-se natural. Ela deixou, sem arrependimento, cair uma lágrima pelo sem-nome interrompido. Sequer atrapalhava o sábado. Não vislumbrava possibilidade de acreditar – dotada de racionalidade, emotividade e senso crítico, ainda – em qualquer coisa.
E não pendurei na parede do meu quarto o pôster do Che Guevara.
Thursday, September 13, 2007
You say you want a revolution...
Neurose do passado. Desmesura do mal praticado. Deslumbramento. Alienação da memória. Esquecimento, ressentimento, culpa. Elaborar o passado. Theodor Adorno, em seu texto O que significa elaborar o passado, faz uso de todos esses termos para, a partir da experiência do nazismo alemão, incursar-se na discussão sobre memória de um povo, sua construção identitária e urgência alemã de elaboração do passado. “O nazismo sobrevive”, diz ele, e cabe aqui uma conjunção explicativa, e não de oposição: sobrevive justamente porque dele não se fala. Não sucumbiu à própria morte.
Qual a relação entre o indizível e o ser humano? Uma relação de fascinação? Seria o indizível marcante nas relações humanas? Seria, por exemplo, o indizível destrinchado por poetas e resumido por leigos em ‘amor’? – embora não com menor intensidade, mas com restrita significação ao transbordar o indizível em palavras. Foucault, em sua História da sexualidade, pondera que o silencio sobre o sexo denunciava o pudor existente na sociedade sobre o assunto. Hoje, fala-se tanto em sexo, mas será esse alarde genuíno ou expressão de necessidade – pautada por tentativa e erro – de autoconvencimento da (reivindicada) naturalidade do sexo? Wittgenstein proclamava a linguagem como uma multiplicidade de usos e que celebrava a interação de significados. Significados dotados de atributos sociais, mas também de historicidade individual – já que cada um preenche, a partir de sua história de vida, as palavras e as suas relações com os homens e as coisas. Ao engendrar historicidade no indizível, este adquire significação mais universal em relação a um determinado grupo de pessoas. A história e a cultura tornam-se elementos-chave para a construção de identidade de um grupo social: fazer do indizível, assim, característica fortemente social e de coesão, e não mero atributo subjetivo.
A não-elaboração do passado contém não somente um caráter subjetivo de negação da tragédia a partir da desmesura do mal praticado. A negação do embrutecimento pessoal – brutal e, segundo Freud, fatal em determinadas experiências traumáticas –, por exemplo, é fator importante na não-elaboração de um passado individual. Mas um passado de proporções como o nazismo não é factível de ser analisado apenas sob o viés individual e pessoal. Adquire expressão social também, assim, a neurose do passado. (vide post anterior)
...well you know
we all want to change the world.
Saturday, September 08, 2007
parênteses - ou intervalo instrumental
Quem procura lembranças perdidas? Não sabe o que faz. O erro está na pergunta. Veja só.
Friday, August 31, 2007
que pousou na sopa
Quem sou eu pra falar de amor
Se de tanto me entregar nunca fui minha
O amor jamais foi meu
O amor me conheceu
Se esfregou na minha vida
E me deixou assim.
Chico, aquele lá, sempre, claro, o Buarque de Hollanda.
ac(l)ariceando(-te)
Saturday, August 25, 2007
"...e a gente pagou pra ver"
Tuesday, July 17, 2007
Catando a poesia que entornas no chão
Saturday, July 14, 2007
Da liberdade
Ironicamente, a geração dos anos 90 é tida como a “geração dos filhos de pais liberais” (liberais no sentido de não-autoritários, flexíveis e compreensivos), mas é a todo momento condicionada – por normas na maioria das vezes não-ditas, mas que pairam na sociedade. O espaço geográfico comporta peculiaridades, as quais nos impelem a cumprir os papéis exigidos por determinados ambientes e situações. Mas e quando estamos no ato de migrar? Os jovens, por exemplo, de classe média, alta e baixa, passam muito tempo no caminho de casa para a escola ou para o trabalho. Seja no ônibus, no carro ou à pé. Será que nesses momentos, são destituídos de qualquer papel social?
Alguns antropólogos caracterizam os meios de transporte e os caminhos por não-lugares. Mas e se passamos boa parte de nossos dias nesses não-lugares, passamos o dia sendo “ninguém”? Penso que não; afinal, se o espaço geográfico é importante, ele não é característica sine qua non para se formar uma identidade. Os diferentes papéis sociais que um indivíduo cumpre se entrelaçam e se co-determinam.
Além disso, se o não-lugar nos torna caminho diário e é incorporado à nossa rotina, passa a fazer parte de nossa vida e nos influencia e vice-versa. Quanto de nós pertence a um lugar, é reflexo do lugar, e vice-versa?
Entretanto, quando estamos na situação não-rotineira de migrantes, somos destituídos de laços consistentes; não estamos mais ligados ao lugar de onde saímos nem, ainda, ao destino. Experimentamos, assim, uma sensação de liberdade para criar quaisquer personas e assumir quaisquer papéis que se deseja. E nos atinge a problemática: “livre para fazer o quê?”.
Inseridos numa lógica segundo a qual tudo se transforma a tende à mercantilização e tem sua importância de acordo com sua finalidade – ainda que esta seja falseada para o hedonismo –, reproduzimos a lógica da busca pela necessidade de consumo da liberdade. Procuramos dar sentido; a liberdade não pode simplesmente ser condição para o homem ser homem, para o homem realizar plenamente suas faculdades, emancipar-se e ter consciência de si. Não. A liberdade é mais um bem consumido, e desprezado se não é nele encontrado sentido palpável, material e imediato. Não se pergunta mais o porquê da liberdade; mas para quê a liberdade. E essa inversão deve ser revertida, para a liberdade, enfim, poder constar em nosso ser.
Sunday, June 24, 2007
Que noite! Já não enxergo meus irmãos.
E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda, sem esperança...
Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho na noite.
A noite é mortal, completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes
cintilantes!
nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo...
O mundo não tem remédio.
Os suicidas tinham razão.
Aurora, entretanto eu te diviso,
ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam
na escuridão
como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave,
as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência,
um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer.
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce,
de tão necessário para colorir
tuas pálidas faces, aurora.
Drummond
Friday, June 22, 2007
A inversão dos números
A redução do número de professores e o aumento do número de estudantes exemplificam a política do governo estadual de redução dos investimentos na educação e os prejuízos para o ensino superior paulista.
A universidade pública, para a maioria dos jovens, tornou-se apenas um mito. A má qualidade da educação oferecida pelo governo para o ensino básico e médio e o fortalecimento das escolas e cursinhos privados não contribuem para a democratização do acesso à universidade pública. Soma-se a isto o contexto de competição expresso pelas regras do vestibular e o fato de 71% dos estudantes universitários estarem em instituições privadas.
Esta política de estímulo à privatização da educação é impulsionada desde a década de 90 por sucessivos governos neoliberais (Collor, Fernando Henrique e Lula da Silva em âmbito federal; além dos sucessivos mandatos estaduais do PSDB em São Paulo, por exemplo). É característica deste programa político a transformação da educação, que é – ou deveria ser, de acordo com a Constituição federal (art.205) – direito (obrigação do Estado para com toda a população) em serviço (passível de negociação, compra e venda, em esfera civil e individual). Esta política é um entrave à universalização do ensino superior público, gratuito e de qualidade.
Diante deste quadro de desmonte do sistema educacional público, neste ano se fortaleceu o processo de mobilização de estudantes, funcionários e professores contra estas políticas privatistas, e em São Paulo a greve de estudantes e funcionários persiste nas três universidades estaduais (USP, UNESP e UNICAMP). O estopim da crise foram os decretos do governador José Serra, que versam contra a manutenção da autonomia universitária financeira, administrativa e didático-científica; institucionalizam a separação entre ensino e pesquisa e entre trabalho intelectual e técnico, e submetem (quando não desprezam) a extensão – que, juntamente com o ensino e a pesquisa, forma o tripé funcional da universidade – a interesses privados. Com o Decreto Declaratório nº 1, fruto da forte mobilização popular, o governador mostra um recuo; porém o caráter prejudicial dos decretos e da política que eles explicitam para as universidades e centros de pesquisa estaduais foi mantido – expresso, por exemplo, na manutenção da secretaria de Ensino Superior.
Um dos decretos, o nº 51.471, afirma que ficam vedadas a admissão ou contratação de pessoal no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, incluindo as autarquias, inclusive as de regime especial [as universidades públicas se encaixam nesta categoria], as fundações instituídas ou mantidas pelo Estado e as sociedades de economia mista. Apesar de recuada com o Decreto Declaratório nº1, o decreto nº 51.471 institucionaliza o problema da não contratação de funcionários e professores nas universidades estaduais paulistas, sem acompanhar o crescimento do número de estudantes nas mesmas, contribuindo para a queda da qualidade da educação e deficiência em seus aspectos estruturais.
A falta de professores é evidente, e os números são alarmantes. Na Unicamp, de acordo com a Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH) e a Diretoria Acadêmica (DAC) desta universidade, o número de estudantes de graduação subiu de 7.280 para 17.275 entre os anos de 1989 e 2006. Neste mesmo período, o número de professores, de forma inversa, caiu de 2.103 para 1.827. Neste contexto, a relação aluno/professor, que em 1989 era de 6,5, passou para 17,4 em 2006. O que pode parecer algo vantajoso – aumento da produtividade docente – é, antes de tudo, indício de queda na qualidade do ensino e reproduz uma lógica produtivista, sem preocupação com a formação integral do estudante, visto que é humanamente impossível manter o mesmo nível de qualidade da educação com um aumento grosseiro do número de estudantes em relação à redução do número de docentes. Também exemplifica a redução dos gastos do governo com a universidade pública, privilegiando a entrada de capitais privados para financiamento de pesquisas.
Outros dados para exemplo: Na Faculdade de Educação (FE), o número de estudantes de graduação era 497 em 1996, e passou para 1.878 em 2006. No mesmo período, o número de docentes, caiu de 106 para 98; no mesmo tempo, o número de estudantes da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura e Urbanismo (FEC) passou de 402 para 654, enquanto o número de docentes manteve-se praticamente o mesmo (de 75 para 76). Também nestes dez anos, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o número de graduandos desde 1996 subiu de 649 para 1.037. Já o número de professores caiu de 116 para 94. É importante salientar que neste instituto foi construída pelos estudantes uma campanha pela contratação de 75 professores, segundo cálculo dos próprios discentes para manutenção da relação aluno/professor de dez anos atrás, visando a manutenção da qualidade das pesquisas e das disciplinas oferecidas.
Os problemas advindos da queda do número de professores e do aumento do número de estudantes, ambos significativos, podem ser até abafados na opinião pública com as informações que os reitores destas universidades expõem na mídia, como o crescimento porcentual das pesquisas desenvolvidas nestas instituições. Porém, dentro da universidade, muito longe do que surgem nas manchetes de jornais, estudantes percebem a queda da qualidade do ensino e o descaso do governo com a educação superior pública, explicitada também na falta de políticas de assistência estudantil – como moradia, transporte e alimentação –, na redução do número de funcionários contratados por concurso público (acompanhado por um latente processo de terceirização e conseqüente precarização do trabalho), nos processos de flexibilização curricular, e que em conjunto promovem uma universidade sem pensamento crítico-científico, de formação técnico-operacional e voltada única e exclusivamente para os interesses do mercado.
As mobilizações e greves que vemos surgem em resposta a esta política que não prioriza nem zela pelo ensino público. Não nos mobilizamos para manter “privilégios”, mas, pelo contrário, para universalizar o acesso ao ensino público de qualidade e para impedir que a universidade se afaste cada vez mais do sentido que atribuímos a ela: o de exercer uma função social, buscando soluções aos problemas da sociedade – em especial da população pobre e trabalhadora – e sendo, bem como diz a Constituição, um direito para todos.
Stella Paterniani e Sydnei Melo (estudantes de Ciências Sociais da Unicamp)
Saturday, June 09, 2007
Auto-retrato interno de uma tarde de segunda-feira
Não que a plenitude signifique felicidade; o afã pela felicidade a qualquer custo, como é hoje tão concorrentemente disseminado, era outro ponto a ser desconstruído: que os sentimentos encontrassem, nos humanos, lealdade. Que a tristeza, a melancolia, a ansiedade, as frustrações fossem sentidas, e tivessem autoridade e aval para a entrega.
Retomada a consciência corporal, via estrelas à sua frente; seu corpo horizontal, integrante do banco, tornava-se insensível ao frio – (ou) unia-se a ele. A sensação submetia-se ao sentimento, e o entender o corpo não era mais sinônimo de sanidade.
Sunday, May 27, 2007
Buscas incessantes
é possível de sentido?
(Que importa o sentido se tudo vibra?)
(Alice Ruiz)
Wednesday, May 16, 2007
Desde que o samba é samba
Me disseram que só dói porquê tá vivo; propus que matássemos então.
Fui tentar e não consegui, e a pergunta que não quer calar: matar o quê?, ou morremos nós?
Têm coisas que nos compõe, outras que nos são essenciais.
Sim.
Cantando eu mando a tristeza embora.
Sunday, April 08, 2007
"Qual a parte da sua estrada no meu caminho?"
Quanto de egoísmo, ânsia individual pelo poder, desejo de se manter lembrado na história e vaidade humana estão presentes numa guerra? No caso da batalha das Termópilas, o álibi para o enfrentamento começar é a ordem que traz o mensageiro persa aos espartanos: água e terra. Que Esparta ceda território e água ao povo persa.
Conhecida por seu caráter bélico aliado a um forte sentimento patriótico, Esparta tinha como um de seus principais objetivos fazer de seus cidadãos bons soldados: bem treinados fisicamente, corajosos e obedientes às leis e às autoridades estatais. O mensageiro, no filme 300, é morto por desafiar e insultar o rei Leônidas. Tivesse ele um pouco mais de tato e menos “desrespeito para com as autoridades e o povo de Esparta”, evitar-se-ia a guerra? Tivesse o povo persa pedido – e não exigido – água e terra, Esparta teria, amistosa e generosamente, atendido à necessidade de seus vizinhos?
Não se pode pautar a História pelo que poderia ter sido, mas qual é a responsabilidade do orgulho e da vaidade humana e das relações pessoais nas relações políticas e em seus desdobramentos? Há grandes tragédias cujo início foi um rompimento diplomático – a própria segunda guerra mundial, por exemplo. Afinal, os governantes são também seres humanos e têm suas paixões, interesses e sentimentos aflorados, questionados e contrariados constantemente.
Além do questionamento sobre a predominância da vaidade e dos interesses individuais sobre os interesses coletivos, o filme de Zack Snyder nos faz pensar nos anacronismos existentes ao se adaptar ao cinema – ou à literatura, ou mesmo ao analisar academicamente – épocas históricas tão distantes da atual. Um exemplo disso é a dor expressa pela mãe de uma criança quando, aos sete anos, esta deixa os cuidados da mãe para viver sob a orientação do Estado, que tinha professores especializados para educar seus cidadãos desde pequenos (Hoje, inclusive, eu diria que o ditado “É de pequeno que se torce o pepino” é bem aplicado e diz muito sobre a educação espartana). Os jovens levavam vidas muito austeras, vivendo em pequenos grupos, realizando exercícios de treino com armas e aprendendo as táticas bélicas de formação.
A dor maternal, entretanto, é fruto da interpretação de nossa sociedade atual do fato. Porque em Esparta, essa separação aos sete anos de idade era costume. Os costumes são raramente questionados e, por seu caráter universal e existente na consciência coletiva da população, são facilmente aceitados e naturalizados. Assim, não há porque a mãe do menino sofrer por não mais conviver com seu filho: seus laços não são estabelecidos da mesma maneira como o são os nossos, atualmente. O amor – no caso, o maternal – e a afeição, como construções sociais e culturais, são diferentes entre sociedades e entre épocas.
Problematizações históricas à parte, não se deve esquecer que o filme é belíssima adaptação cinematográfica da história em quadrinhos de Henry Miller, a qual retratou o caráter mítico adquirido pela batalha dos 300 homens de Esparta. Seja por vaidade, orgulho, segurança ou patriotismo; seja por motivos coletivos ou individuais, os 300 cidadãos/homens/soldados espartanos “saíram da vida para entrar na História”.
Saturday, March 24, 2007
Sobre o ser e o estar
O verbo ser não existe em tupi. Talvez porque eles tenham consciência da pretensão que o verbo exprime e, ao mesmo tempo, de sua comodidade. O que é, é. Permanentemente. O verbo ser expressa uma certeza, necessária a uma certa serenidade – ainda que aparente e ilusória – buscada pelo ser humano na nossa sociedade ocidental capitalista, onde definições são procuradas e distribuídas. Entretanto, o ser é pautado pelo ter: o que se pode consumir é aquilo que define o ser, aparentemente para a vida toda – que acaba por tornar-se um acúmulo de definições vitalícias que se superpõem mas não necessariamente se substituem.
Na nossa gramática, o verbo ser define as frases subordinativas. Ele compõe, essencialmente, a oração principal. Assim, exprime-se uma lógica hierarquizada, na qual o ser exige um predicado e, no momento em que esse predicado é definido, a limitação pautada por ele é gigante. No momento em que se passa a ser, deixa-se de ser, também, o que outrora poderia tornar-se. Na vida social, deixa de ser verbo de ligação para ser verbo intransitivo.
Mas se o verbo ser não existe em tupi, é porque a existência não é pautada por definições permanentes e excludentes. Expressa-se não a essência das coisas, mas o seu estado: o uso crucial e comum é o do verbo estar. As situações parecem se caracterizar como mais flexíveis e passíveis de adjetivações flutuantes. Não se é; está-se. O estar passa a definir momentos, talvez com maior relatividade de classificações e sem receios de atitudes das quais não se possa desprender ou arrepender-se.
Se na nossa sociedade, percebe-se, o ser é definido pelo ter, e este nos define essencial e imutavelmente, há que se lutar contra esses tipos de aprisionamentos e defender uma sociedade na qual o ser seja flutuante e não deposite em si tanta responsabilidade. Uma sociedade na qual o estar assuma a intransitividade. Onde as pessoas não sejam definidas pelo que possuem; onde as pessoas não sejam definidas, sejam apenas sentidas em seus diferentes estados de estar. Onde o verbo ser conste apenas no dicionário, com explicações ininteligíveis e impossíveis de serem compreendidas, numa sociedade onde não se é. Está-se.
Saturday, March 10, 2007
"Meu grito inimigo é: cê foi mó rata comigo"
Wednesday, February 21, 2007
Moralmente estafado
Tem gente que acredita que tem um pássaro, uma tal de fênix, que renasce delas.
Eu não sei se acredito.
Monday, February 05, 2007
C.R.A.Z.Y. diamond, shine on
I'm stepping through the door,
A coragem de olhar o mundo sob outro ponto de vista, expressa especialmente nesse trecho de “Space Oddity”, de David Bowie, é um dos assuntos predominantes em “C.R.A.Z.Y. - Loucos de amor”, de Jean-Marc Vallée. Zachary Beaulieu, quando dubla o clássico de Bowie – em fase Ziggy Stardust, no auge dos anos 1970 – vestido e maquiado como tal, escancara-se ao mundo – ou ao menos à sua vizinhança – por ter deixado aberta a janela do quarto, palco principal das epifanias adolescentes.
O garoto é o sétimo filho da família Bealieu, mas tem quatro irmãos – três foram abortados. E de acordo com as superstições canadenses – que têm suas correspondentes na cultura brasileira, como o mito bem divulgado em histórias do Chico Bento, de Maurício de Souza, de que o sétimo filho tende a tornar-se lobisomem –, sua mãe acredita que ele tem um dom. Soma-se a isso o nascimento do menino no dia 25 de dezembro e sua capacidade de acalmar o choro dos bebês com cólicas quando os segura.
Nascer no Natal é experiência traumática para as crianças, desde cedo imersas na lógica capitalista: é o fim do mundo receber apenas um presente no combo “Natal+aniversário” enquanto todos os amigos recebem dois ao longo do ano. Como se não bastasse, não é permitido a um menino ganhar um carrinho de bonecas. Pergunta-se a uma menina porque ela ganha bonecas, e não bola de futebol. Ela responde, naturalizando: “Porque eu gosto de bonecas. E bola é coisa de menino.” E ela não deve gostar de “coisas de menino”. Poda-se o interesse genuíno e inocente de menino por bonecas. No filme, o pai de Zac tenta contornar a situação, dando-lhe de presente uma vitrola, um banjo, uma bateria... E vê-se formada a banda completa antes mesmo do garoto completar dez anos de idade.
Conforme cresce, Zac vive um romance com uma amiga, para tentar enquadrar-se ao permitido e fugir de seus desejos por “coisas de meninas”. A homossexualidade do rapaz é percebida, mas não aceita pela família – principalmente pelo pai. O orgulho viril masculino de ter concebido cinco filhos homens não pode ser atacado nem desconstruído dessa maneira. A dependência química de Raymond, irmão mais velho de Zac, é mais facilmente aceita pelo pai do que o desonroso filho homossexual.
“Há dois tabus aqui em casa. Eu e Raymond.”, diz Zachary. Poderia ter dito: “as drogas e a homossexualidade”, mas ao personificar e, conseqüentemente, fundir o tabu às respectivas personas estampa um significado de irreversilibidade e aceitação dos fatos e características intrínsecas aos dois. Caberia, então, a todos, lidarem com o que não tem remédio.
A relação do menino com a mãe também é emblemática, e caricatura as mães compreensivas e mediadoras dos conflitos domésticos. O filme ultrapassa o lugar-comum de famílias de classe média e suas crises burguesas quando Zac, num ímpeto, vai para Jerusalém buscando uma espécie de retiro e compreensão de si mesmo. Mas a escolha do lugar para a viagem é fruto de influência direta da mãe, católica fervorosa, que sonhava em conhecer a terra santa. É nessa terra santa, enfim, onde Zac vive uma paixão homossexual e se entrega – com o perdão do trocadilho – aos pecados da carne. Agoniado, telefona para a mãe. Ela sabe que é o filho ao telefone, bem como sabe da inquietude do menino, como bem o sabem sempre, as mães. Segue-se uma das mais belas cenas, quando Zac, descoberto, por fim, deixa o quarto e, no amanhecer, vislumbramos um corpo masculino, por fim, semi-coberto espreguiçando em sua cama.
O diretor consegue, ainda, transmitir beleza original e espontânea a cada cena. O figurino, os carros, o Canadá dos anos 1970, a capa de “The dark side os the moon”, álbum clássico pink floydiano desenhada na parede do quarto de Zac e a trilha sonora também composta de clássicos de Rolling Stones e dos já citados Bowie e Floyd são expressões muito bem desenvolvidas do momento histórico.
Saturday, January 13, 2007
O alumbramento do olhar para TV num domingo
Monday, January 08, 2007
A internet e o espetáculo (parte I)
Pois bem, o buraco é muito mais embaixo. Caímos no relativismo da discussão sobre o ser. Eu, particularmente, acredito que não somos; estamos. E, por estarmos, somos quase que polivalentes, ou multifacetados, ou divisíveis. É o constante estado de estar o responsável pela instabilidade de muitas mentes internéticas e perfis de orkut – vide os constantes ‘orkuticídios’ cometidos. Entretanto, a discussão entre o ser e o estar é convergente se comparada à já também exaustivamente discutida questão de regressão – à medida que desenvolvemo-nos – entre o ser/estar e o ter.
Li ontem na folha Mais! Um excelente artigo no qual o autor aprofunda essa digressão e faz-nos (de)cair: hoje, em nossa ocidentalóide sociedade, o que impera não é mais sequer o ter: é o parecer. Nesse sentido, completamos nosso esquema e a Internet torna-se extremamente lógica: é lá que criaremos nossas diferentes personas, é para lá que transportaremos nossas frustrações e as dividiremos e acharemos graça. É na Internet que as pessoas fogem da solidão e se masturbam simultaneamente diante de uma webcam. É lá que preconceitos nazistas, racistas e homofóbicos se espalham. Talvez a criatura tenha vencido o criador e, de fato, o homem tenha tornado escravo de seu caráter patético, o qual é devastadoramente inflado pela Internet.
Guy Debord escreveu, em 1992, um livro fascinante chamado “A sociedade do espetáculo”, no qual teoriza que “toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação”, e explica: “do automóvel à televisão, todos os bens selecionados pelo sistema espetacular são também armas para o reforço constante das condições de isolamento das “multidões solitárias”. Pá-bum: a internet, o espetáculo.